A SUPERFÍCIE DO PLANETA
Daniel Drode
Trad. Mário Henrique Leiria
No começo da tempestade que rola sobre a minha ilha, tive um pesadelo que atribuí ao calor. Contudo estava acordado. Sim, engano-me ao pensar num sonho, isto tinha antes a consistência da visão. Uma visão, eis a palavra.
A maquinação mostrou-se-me sob a forma de um engenho das eras bárbaras. Tudo o que existia com a finalidade de reduzir a espessura da vida subterrânea: a neutralização dos écrans visuais, a fechadura das portas, etc., imaginei-me, para produzir estes acidentes, um cilindro de carrilhão. Triste mecânica entre muitas outras, que fazia soar o tempo do alto dos campanários em forma de tabernáculo. Uma minuciosa desordem de pontas que batiam uma nota a intervalos regulares.
O que nos criou devia ser a imagem destes cilindros: complicado mas preciso. Esgoto toda a comparação se acrescentar que uma mosca errando à volta do cilindro não compreendia a maquinação porque a música a atordoava – do mesmo modo éramos entorpecidos pela visão. Então, porquê não supor mais malignidade no detalhe?
Mergulho no detalhe: o écran do fone não se teria apagado num dado instante, de um modo irreversível, mas de maneira brusca: ele teria funcionado em intermitências, ora. E isto com o fone e com a porta. Estas paragens e regressos ao movimento alternando-se confundiam-se na sua consequência: o recurso à visão, único elemento indefetível.
Se pretender um corolário mais vasto tenho medo de mim mesmo. Assim – assombrosa possibilidade! – pode ser que tivesse conhecido Rana pelo écran e que em seguida a tivesse esquecido. É-me permitido crer, do mesmo modo, que o fone tivesse sido desligado sem que isso deixasse em mim um traço de despeito. Com tanta certeza, avançarei nisto: a porta ser aferrolhada nalguns momentos."
(Págs. 130/131)
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