ÍMPETO CROMOFÓBICO
Sem ti todos os poemas acabam
Antes do fim mesmo ainda antes
Começar é já uma árdua epopeia
Impossível é renovar palavra concreta
Pastosa agonizante pelos pauis da ânsia
O desespero a escorrer-lhe sílabas abaixo
Viscoso acorrentado ao temível desconhecido
Pronto e viável dos vendavais infinitos,
Que a vida é um tumulto de incompreensão,
Um atoleiro de sombras e receios mil.
Sem ti o sol é uma passagem estreita,
Um pomar vazio, um rio sem corrente.
E as sílabas que sabiam taleigos e várzeas
Ou rodopiavam nos trapézios do ocaso,
Não passam agora de lixo amontoado
Nos cantos da página cega à flor das horas.
Porque sem ti arranco-me o coração pla boca
Ouço a madrugada dum luar que é só luz
Onde o mistério e saudade são vozes off,
Os dias somente folhas mortas nos fundos
Das chávenas vazias dum chá cáustico amargo
Ácido de corroer a alma trôpega e senil,
Trôpega e disforme sem ritmo nem rima
Alagada de silêncio putrefato sulfuroso
Faz almôndegas dos verbos e cartilagens
Mais desprezíveis da lusatinidade cediça
Nociva é a pétrea expetativa que mata esperanças
Pica os olhos da noite e da platina de luar
Frio, lúcido, ímpeto cromofóbico a dizer-se
– Que ininterruptamente me arranca o coração
Pela língua é que os rios enchem oceanos
D'água doce e raízes e girinos e sementes de vida.
Joaquim Castanho
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