DE CORAÇÃO PARA CORAÇÃO
Ante negros presságios
Que os piores dias ditam,
Salvam-me os naufrágios
Nas pérolas do teu olhar,
Se elas meus olhos fitam
Como se fossem as velas
Que põem os poemas a navegar.
E aí, afugentando medos
Mostrengos, ou solidões,
Expõem íntimos segredos
Do coração... — aos corações.
Joaquim Castanho
CRENÇA RACIONAL
As meigas flores dos mares
Baloiçam nos anelados,
Por cujas ondas lunares
Trago os olhos naufragados
Nas pérolas maternais,
Que são o lugar dos lugares
Ímpares, mas sempre a pares
Plas intenções dos jograis…
E nessa dança sentida
Onde o ser por si consiste,
Eterna se torna a vida
No afeto que só por ti é
Na fé que à razão assiste.
Joaquim Castanho
CLAVE DE ARINA
Respiro a luz que inspiras
E o universo é harmonia —
Simples perfeição das liras
E harpas, sob a mãe do dia;
E se diluem nódulos,
Se desvanecem arestas —
Se decompõem rótulos
Às rotinas, e às gestas.
E ainda que ouça tua voz,
Ainda qu’escreva nossa sina,
Há a magia da luz em nós
E sol — claridade de Arina!
Joaquim Maria Castanho
POEMA ESSENCIAL
Entrei na espiral da vida
Só pela mão de teu sorriso;
Minha sina ficou cumprida
Como poema de improviso.
Grande (a)ventura é saber-te,
Conhecer-te na realidade,
Ou inventar as cores à arte
Que já são tuas em verdade.
Além disso, o mais é cruel
Ponto de rutura, grão cego,
Mancha escura que no papel
Representa tudo o que nego.
Joaquim Castanho
A CANOA DO OLHAR
Duplamente me dessedento
Na seda lisa de teus cabelos,
Onde as fadas ganham alento
Como eu ganho, só de vê-los.
E me aliso em seu movimento
Nesse deslizar, balouçando,
Se te mexes; exato momento
De perguntar «Voltarei a vê-los?»
Que visa a ânsia dum «Quando?!?»,
Logo disfarçado pelo riso,
Brincando, par’assim afugentar
O receio que m'ensombra o juízo,
Já perdido por tanto ansiar…
Que creio, enfim, que te penteio
E despenteio — só com o olhar!
Joaquim Maria Castanho
ESTADO DE CHOQUE
Nada sei de quem serei
E já desconheço quem fui,
Que sucumbido m’achei
No rio que rima, e flui
Inaudito, dourado
De espiga, e de grito
Sobre azul celebrado.
Então, fico sem jeito,
Troco os pés pelas mãos;
Ouço sinos no peito
Com rebates nos desvãos,
Onde escondo a eito
Sonhos, pleitos, devaneios…
— À fantasia tão alheios!
Joaquim Castanho
A MAGIA DA SURPRESA
A vida escreve poesia
Com nossa vida; e a gente
Esquece o que já sabia
E volta a ser inocente.
Flautas, harpas e liras
Em concerto celestial,
Rasgam-me o ego em tiras
Pra entretecer o real:
E meto as mãos pelos pés
— Fico todo embrulhado —,
Mas não só por saber quem és…
— Também por ter-te encontrado!
À RAINHA DAS FLORES
Enquanto loucos e desnorteados
Semeiam a morte e a insanidade,
Explodindo como bombas, petardos
De peste emocional e maldade,
E débeis me[n]tais desesperados
Argumentam ser só sua a verdade
— Propriedade do pensar visceral… —,
Os comuns mortais, poetas, artistas
Alheios ao despautério social
Ou pessoal, lavam as suas vistas
Sucumbindo à beleza das mulheres…
Das rosas… Ao suave aroma das flores…
E dizem-te que serás o que quiseres
Estejas ond’estejas, vás onde fores!
Joaquim Castanho
ÍNFIMA IMENSIDÃO
Entre a fresta de B a C
Dum alfabeto insuspeito
Meu olhar, que só no teu crê,
Vê o sublime — e me deleito…
A felicidade é estreito
Caminho, linha sem porquê
Ond’o bem vinca mansinho
O jeito que ninguém prevê.
Mas por essa nesga que há
Entre a razão e o gosto,
A felicidade vinga já
Se por ela vir o teu rosto.
Joaquim Castanho
NA ARGILA DO VENTO
Dá-me a cor do coração da flor
A prece de teus olhos maduros
Fruto da liberdade numa pétala
Dourada na doçura do sol,
Bem-me-quer a desfolhar dias
Violetas perpétuas desmaiadas
Sob o azul do céu e da imensidão.
Depois escreve tudo com ela
Até mesmo qualquer mulher
Pétala sobre pétala, seda macia
Frontispício ou alvará, magia
Líquida do verbo em ebulição.
Dança e rodopia se preciso for.
Adverte o silêncio dizendo-te.
E cintila nas noites estreladas
Como um fogo-fátuo colorido
Dessas vozes tão luzes timbradas
A bichanar delícias ao ouvido...
Segredos ímpares, asteriscos
Notas de rodapé, barras de saia,
Alongamentos do grito, riscos
Que a natureza divina de si gizou
Em bailias de roda, princesa Maia
Que primaveril maio também cantou.
Apontamentos do livro da salvação
Do vento nas crinas soltas dum cavalo
Sorraia na loura planície do nosso pão
Onde o restolho alberga bandos de aves
(Perdigotos, rolas, cotovias, pardais...),
Atirando ao chão a roupa dos estendais,
Alisando pelo aos touros, polindo chaves
Ah, esse quadro!... Como gostava de saber pintá-lo!
Joaquim Castanho
(Foto: TERESA CORBETA)
ETERNA NAUFRAGRÂNCIA
Naufrago a cada passada tua
Nas ondas desse mar que é só teu,
Espraiado na branca luz da lua
Onde a sublime beleza nasceu…
De recaída em recaída flutua
Ora o ser que ao ver o teu cedeu
E sucumbido, ébrio acentua
Mil odores na solidão do eu.
E assim, no quase ínfimo sou
Hino rendido ao que só tu és,
Quando meu ser fluindo voou
Para recair tão-só a teus pés —
Que és no mar do céu infinito
O eclodir da luz, sonho e grito!
Joaquim Castanho
POSE PEDUNCULAR
Porque caminha o caminho a par
Com o movimento que o caminho tem ,
Se entre as mentes não há lugar
A caminhos que não sejam pra ninguém...
Os passos dados assustam os ecos.
Flagelam as lages e os túmulos seculares.
E escrevem no tempo esses bonecos
Que são os hieróglifos dos andares.
Porém
Nenhum caminho se revolta contra quem
O pisa e recalca e humilha e segrega e abate.
Será que gosta! Ou apenas nutre desdém
Pelo movimento que o maltrate?!
Joaquim Castanho
NA RECORDAÇÃO, O VERBO
Se diluem verbos entre vozes
Escoando sentires, dolências,
E algumas avulsas equimoses
Nascidas de falsas evidências.
Porque a poesia cobra tributo
A quantos a viveram um dia,
E pra quem foi o pão e o conduto,
Ou o prazer na melancolia…
Então aí, esses verbos, diluídos
Ao sabor do paleio ocasional
Conjugo-os eu, assim descidos
Recordados, em tom sentimental.
Joaquim Castanho
POEMA SUSPENSO
Tenho um poema pronto
Entre o infinito e aqui,
Redondo com’um ponto
Ou a pintinha dum i.
De tez calada, tonto
Pelas saudades de ti,
Já que não fala, conto:
«Não cai, porque não te vi.»
É poema em suspensão…
De tempo limitado…
Que tem a sua duração
Na oscilação aberta
Que aperta o coração —
S’ele entra em cuidado!
Joaquim Castanho
NUVEM ARDENTE
Distante mas breve
Como quem escreve
A magia do dia
E serve, tão leiga
Na fácies, meiga
N’alegria dolente
Ao ser a semente
Doce da poesia…
Assim t’encontrei eu
Ápice de meu eu
Que ao véu desceu
Pra que luz houvesse
E fosse esse esse
Que me entretece
Espuma — e frágua.
E doesse sem doer
Magoando a mágoa:
Cabelo a escorrer
De ondas sem água!
Joaquim Castanho
ECCE HOMO
Nós somos daquela espécie
Que nem só Deus reconhece
Ser única no bem (e intenção);
Mas se ao humano arrefece
Lei, até o divino esquece
Logo sua etérea condição...
E ei-lo que vem por'í abaixo
Ébrio e trôpego com'um cacho
Exigir culpa, pecado e perdão!
Joaquim Castanho
IMOLAÇÃO PASSIONAL
Peço aos teus olhos o segredo:
Viver requer imensidão, e gesto
Infinito, presídio quase ledo
Deste sentir com que me apresto
Ao voo que o sonho carrega dentro.
Há um aceso de lua (em chamas).
Uma alma que exala luz (e flamas).
— E eu entro!
Joaquim Castanho
AS ROSAS DA LIBERDADE
“Y a des cailloux sur toutes les routes,
Sur toutes les routes y a du chagrin.”
(Canção francesa)
É o silêncio dos muros…
Pessoas à volta de si
Constroem-nos retos, duros
Intransigentes. Então aí
Nascem gumes de espada
(Minaretes couraçados)
Com que se ofendem, por nada
Na calada, recrutados.
É o silêncio da morte
Corroendo a esperança;
É o ceifar da vida num corte
Sem desvendar o desnorte
Por um sul que não dança.
É homem que se faz arma
Contra si mesmo virada,
Nesse fado que é ter o karma
Numa pedra de estrada.
Mas os leais raios de sol
Que penetram até poeiras,
Expugnam-nos, e vão em prol,
Derrubando as fronteiras
Que a tristeza erigiu.
E o tricolorido valor
Que a Bastilha cumpriu
(Em sua própria bandeira),
Se alteia ora a seteira
Com as rosáceas do amor!
Joaquim Castanho
ÉLAN POÉTICO
A poesia é rara e preciosa
Como tu merece entrega total;
E se nos acontece rasga a prosa
Ao sulcar nela a seiva ditosa
De tua voz criando o uno plural.
Ela guia-nos, e decide pela gente.
Ensina o caminho que leva até si.
Mas fá-lo tão sutil, tão exigente,
Tão sublime, doce e meigamente
Que só se deixa ver próximo a ti.
Às vezes, fico a pensar que tu és ela;
Outras, que ela és tu (exatamente).
Então, as sílabas sopram na vela
Do poema… — aí surgido de repente!
Joaquim Castanho
ALMA AFLITA
Nada conheço do mundo
E nada sei do futuro;
E nada sei do passado,
Nem nada sei prematuro,
Sequer primeiro, segundo
Ou terceiro por lembrado,
Além desse mar imenso
Pelo que agora penso
Como náufrago libertado…
És uma tela infinita
Onde o mar sonha perder-se,
Por que cada onda grita
Como se fosse esquecer-se
Do cabelo a que pertence;
Razão desta alma aflita
Cuja cérebro acredita —
E exige ao coração que pense!
Joaquim Castanho
A INOCÊNCIA DE SENTIR
É no teu cabelo que aprendo
A poesia; teu rosto quem me diz
O que pensar. Então, entendo
O dia! Então renasço aprendiz
Dessa luz de sol que há no luar…
Teu sutil quarto crescente,
Tua ágil presença, discreta,
Acendem pela cinza dolente
Os verbos, como seiva secreta,
Que é da vida o grito sonhado…
E aí, emergindo aroma de mar
A deusa do eterno desejado,
Escreve-me no sangue, a pulsar
O poema do amor sem pecado.
Joaquim Castanho
DIFERENÇA
Nada explica o caminho
Onde havia uma pedra
No meio, entre o destino
E as partidas só medra
A vontade, a motivação
Assim talhada se herda
Por que nela está escrito,
Marcado, o sonho e o grito,
Ou a união que ambos são.
Todavia, nesse apelo
Até o zelo se contesta;
Que o grito sonha sê-lo
Mesmo se nele abre fresta
Ferida, sutura e elo
Para toda a fealdade
A que devemos o belo!
Joaquim Castanho
EVIDÊNCIA INCONTORNÁVEL
As Musas existem realmente…
Não foram invenções dos poetas!
E têm o teu rosto, têm o teu olhar
E traduzem a beleza exigente
Da perfeição da estrela solar
(Entre demais astros e planetas).
Sua imagem, por Vénus copiada
Também Afrodite a quisera ter;
E teve-a Psique, numa forma alada
Que em mariposa transformada
Inspirara a vida a querer viver.
Sem elas, sem ti, nenhum verso era
Poema — fulcro de estesia ímpar:
E a Poesia, não passaria de Quimera
Quase fera, incapaz de voar!
Joaquim Castanho
POEMA GLOBAL
Por aneladas linhas descendentes
Em cuja trajetória me absorvo,
Gestos nobres disseminam sementes
Sem provocar algum dano ou estorvo;
E dentro de lei e norma nos dizemos,
Ética da arte pelas artes do bem,
Pois afeto que nasce, se o temos
É pra que nunca prejudique ninguém.
Assim será a poesia verdadeira,
Causa de união na língua e cultura,
Até que a Terra seja una e inteira
Um recado de rima à sua altura!
Joaquim Castanho
NAVEGAÇÃO CONJUGÁVEL
Escorrentes os verbos pelas costas
Ombros abaixo se aventuram ondas
Vagas de seda desadormecida
Dançando no balanço dos gestos.
Rebelde pretérito, nelas me enleio…
Nelas me esqueço do esquecer.
Nelas me liberto neste meio (ser
Nelas me prendo) sem protestos.
Nelas me escondo e sou anseio.
Nelas me disperso em prontidão.
Então,
Tenho ápices solares aspergidos
E há fragrâncias de amoras na luz,
Que meneios de fala são sentidos
De dizer, se o verbo cala e me conduz.
Joaquim Castanho