A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras

A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras
São o chão em chamas onde as lavras

segunda-feira, agosto 30, 2010

discurso da Mestra de Inanna na Assembleia Maior do templo


Se gasta em Tebas com a morte seis vezes mais do que à vida faz falta
As viúvas e órfãos de Uruk são superiormente valiosos aos fenecidos
Não há de Uruk a Acad, de Shubat-enlil a Kalá nenhuma alma defunta
Nenhum ser vivente ou das profundezas que renda culto A Deus Arina
Nenhum pode esquecer que a Luz é Amor e por isso Inanna A acolhe
Que a fecundidade honra e por tanto enche o cálice donde brota a seiva
E essa será de ora em diante a palavra de Shara que há-de apagar Isis
Porque onde Tebas faz gerar a morte Uruk elegeu o seu nascer celeste
Assim as Sharazades que são mestras e oficiais de Shara hão-de fazer
Porque estas foram as vozes e os cantos de Inanna que soube escutar
Que A Luz é cor que nos segreda a voz de Arina pelo sofito do templo
Recebe o Sol que fecunda o crescente alagado das almas devotas à flor.

Se os pequenos dilúvios de Abril e Maio fertilizam os vales do crescente
Se em Abril o Eufrates faz gemer seus sucos sobre as terras das margens
Se em Maio o Tigre rebenta seus limites e os alaga de Ninive ao Kerkha
É porque A deusa-lua Shara permite embeber-se d'A Luz de Arina a sábia
O primeiro seis do cosmos e da vida que é o conhecimento da deusa-mãe
E Inanna o segundo seis sua filha que lhe é devota e cuja sabedoria copia
Como de Shara sua neta e terceiro seis e na soma resulta A Deus Infinita
Porque dezoito é a dúzia mais a sua metade que é perfeição de si mesma
Como a grosa é a multiplicação de si por si e símbolo de A Deus na vida
A vida que tem quatro partes visíveis que comungam o cálice de Shara
Como também tem quatro partes invisíveis e escondem A deus nas trevas
Que o oculto é o culto onde se tece e entretece o destino das almas de Uruk
Incluindo a de Gilgamesh a quem devemos honrarias, fortuna, vassalagem.

E A Luz do conhecimento é Aquela que reflecte Arina e Esta é apenas Vida.

E eis que assim respondeu Mestra de Inanna ao pedido de Mestra de Shara
Mestra de Shara agradeceu e reverenciou com as mãos juntas sobre o peito
E as seis Mestras dos Templos de Arina anuíram em coro por Namasté dito
E as seis Mestras dos Templos de Inanna anuíram em coro por Namasté dito
E as seis Mestras dos Templos de Shara anuíram em coro por Namasté dito
E as oficiais participantes presentes na Assembleia Maior juraram cumprir
E todas juntas juntaram enfim as mãos sobre os peitos e cantaram pra Arina
Arina a todas ouviu como ouviu Inanna como ouviu Shara e selou o acordo
E então a partir desse acordo nasceu a Lei que há-de ser a Luz da fala eterna
E boca de cada Sharazade o cálice divino a há-de derramar aos quatro cantos
Por mil e um anos que viva Gilgamesh e reine em Uruk assim será sempre.

sexta-feira, agosto 27, 2010

lenda da origem do firmamento


Ainda rendo gosto às palavras indizíveis por dizer assim inauditas sejam
Malévolas e insubmissas e infiéis espartilham os devotos, os atam ao tempo
Pertinazes os atiram ao fundo de si mesmos sem reserva nem contemplação
E lhes vociferam e estilhaçam a alma solta em cada sílaba incendiária agreste
Em cada estremeção da carne viva perante a impiedosa brisa afiada e acutilante
Essa igual que acaricia as frondes das acácias no fustigar da rama superficial
Nos outeiros dispostos sob o acaso do olhar que intenta romper os limites
Ali, interrompendo a linha do horizonte marchetado apontando linda ao infinito
Na paisagem os dias sob a paleta das vozes íntimas se fizeram inseparáveis.


São para ti na erosão corrosiva dos sentidos todos os minutos crucificados
Horas únicas ao resfolegar da planície seca e aberta perante as distâncias
Ao grito do fogo posto de não estares presente, nó de Isis a cujo culto brando
Entre os seios no lúdico sustenido do coração ansioso pende e oscila enredos
Longe e desesperado de tão próximo, próxima aproximo a ansiedade máxima
Eis os lábios, nele reponho meu beijo de sofreguidão perpétua a gritar estrídula.


Morrer para a eternidade é apenas um gesto, palavra de tender o arco da voz
Dita sem eco a resvalar na curva apertada do tempo numa manobra fugaz
Sucumbir ao ritmo do teu pulsar no convulso arquear equíneo do felino salto
Do dorso e desferir a seta do desejo num disparo sem volta e sem remorso
Eis igualmente como nos entregamos um ao outro e sós até à solidão palpável
Infinitamente sós renascemos do exíguo fio de prumo que prolonga o infinito
Pendulando na fala inesgotável de dizer sempre o derradeiro sentido do signo
Lugar da história comum ao espaço-quando dos corpos no mais-que jungidos
Se conjugam e aspiram e fundem num apenas um grito de liberdade fulgente
Disferida por mil sóis que nos rebentam no simultâneo da nuca e ecoam, ecoam
Ecoam, ecoam, ecoam, ecoam, ecoam, ecoam, ecoam, ecoam, e-cooo-aaam...


Eis por que eis o porquê do laço nos une sobre a cruz do peito as mãos juntas
Alicerçadas no elo esfíngico de aglutinar o verbo inicial primaz inconformado
O que encerra todos os indizíveis ainda por dizer ou que ditos calmos urgem
Vogam na celestial aspereza da lonjura inominável – eis o sonho, eis Arina –
Eis o porquê de que por eis se manifesta presente o futuro no passado profundo
Ancorado sem contornos definidos está o nome, aquele que pronunciado ousa
Invoca a eternidade perene e duradoura do sentimento esculpido a golpe de asa
Que não desfalece e solto volta ao princípio dos princípios esvaindo-se meigo
Até ao delta da voz primordial como se a luz nascesse de si própria em si outra
Luz renovada essa a anunciar paixão cometida do silêncio exige conhecimento
Abrigo da foz ao ciciar do desejo incontornável dos corpos unidos pelos vértices
Abertos e plenos à entrega final sem parangonas desmedidas ou esquecimento.


Porque épico é o abraço na distância de morder o tempo, assim lesto se apronta
Abocanhar o laço de que a cruz é nó e sinal e sustento e verbo e nome indizível
Sustenido inconstante de dizer-me Aqui, eis-me pronto perante tua boca acesa
A receber-te plural na infinita agitação da espiral dissolvente entre significados
A que joga os pedaços de mim e de ti aspergindo o cosmos, estrela a estrela,
Estrela a estrela, pestaneja breve e repentina, eis a flor na onda o mar de Arina.


Eis que assim falou Mestra de Shara à Assembleia Maior no Templo de Inanna!

quinta-feira, agosto 26, 2010

as libações da espera meditam comigo


Com o destino traçado pelas vinte estrelas de Tique me disse Dice
As rosas, lírios, violetas, íris, jacintos e narcisos atapetam-lhe o chão
E cré com cré, lé com lé, nos losangos do centro do corpo humano
Coração e ventre nos vértices se unem, ondeiam, oscilam e dançam
Com precisão imaculada o fumo serpenteia a evolar-se das fornalhas
Enquanto na cella espero instruções da Mestra Sacerdotisa contemplo
É maior o meu respeito se na libação executo o mister da concentração
Recatado estou perante ti, ó divina feita mulher por cuja sede me meço
E teço exemplo sem ilusão mas que com a arte exímia exerço e adestro
Que a honra seja trinta e seis vezes superior à de qualquer outro escriba
Pois servir-te é merecer teu afago e desfrutar de tua vista e fala e sentir
E estar enlevado na partilha do fumo celeste pelo mesmo bocal leonino
E saber a luz que há na voz e escutar teu canto pelas minhas argilas lido
Minhas placas de alabastro esculpidas no estilete do rigor de tua ordem.

Quando a Lua cheia de teu nome transforma o sonho em vida real o rio
Devolve ao céu a tua silhueta de alambre e ambrosia que nele mais és
Mais ondulas e abrilhantas espigas e cintilas nas verdes folhas da hera
Essa que teceu a rede onde foram aprisionados os titãs primitivos infiéis
Masmorra dos descrentes a quem nunca será dada honra de argonauta
Nunca poderão negociar nem viajar entre o céu e a terra nem venerar-Te
Mesmo que suas raízes nasçam nos témenos que sejam tua propriedade
Pois nunca delas a flor brotará nem o ciciado murmúrio das ocarinas
Eflúvios chamamentos suspirados entre sonhos do mel apreciado bebo
Sorvo lânguido do bocal sobre o qual antes teus lábios disseram prece
E nada fica agora que obstrua a cristalina seiva do ser no libado vigor.

Estrela Inanna ladeia teu sucumbir perante a luz de Arina se amanhece
Porém não há batalhas divinas mas respeito e contemplação ordenada
Que quando Arina elucida todas e todos, ar, fogo, terra, água obedece
E lúcida é a alma que sabe e reconhece ser seu mister e a quem pertence
A voz rasga os véus e sopra vontades aos ouvidos acautelados e fiéis
Que ao oficio de dizer é inerente o acto se a fala no nome apenas se exala
E inala Inanna os eflúvios do meu pote enquanto espero se Shara chama.

A chama que é Shara e aquece o Lar pernoita também quando Arina dita
Sua cor aos quatro cantos do mundo pois o canto é luz de quem acredita.

quarta-feira, agosto 25, 2010

a trindade celeste no corpo terrestre

O crescente é fértil porque os campos estão alagados entre colunas
A benção de Inanna trouxe o húmus e o sumo sanguíneo do delta
Desde o golfo até Amorrou, de Eridu a Mari, de Ur a Assur, de Susa
A Samarra respira agora a luz de Arina e exala Shara a frescura verde
O doce aroma de seus seios amadurece os figos e brota mel nos frutos
As tamareiras estenderão seus cachos no penteado das palmas viçosas
Há a prontidão luminosa da esperança que se renova no cilindro oco
O ser irrigado pelas levadas subterrâneas exige finalmente o corpo
Encorpado das espigas que ondularão prenhes seu murmúrio ao chão
Eis o selo do Templo de Shara, a divina feita casa onde a família gera
O tempo não envelhece e as estrelas tocam címbalos e argilas ocas.
Cinco salas mais a cella onde habita a mestra sacerdotisa em redor
Círculos bases do mundo e sustentáculo das estrelas no equilíbrio Seu
O céu recolhe os ramos frondosos da árvore sagrada e a vida floresce
Deixa cair as pétalas e odor e silêncio e luar sobre as esquinas de Uruk.


Treze são os turnos de culto daquela que os escribas veneram de noite
Prestam culto de dia quando rendem adoração A Deus ilumina a Lua
Que esse é o seu selo que o Eufrates espelha se plano escorre de prata
Porque os rios são as pernas divinas entre as quais floresce o nardo
A semente fecunda o ser e bebem a seiva as raízes da árvore da vida
Cujo fruto rebenta as águas e provoca o dilúvio benfazejo de nascer
Todos os dias Arina nos concede o milagre e cumpre os votos tidos
Que devotos são todas e todos se respiram seus passos à luz templária
Quando Inanna caminha no céu traz o crepúsculo até à leda aurora
Que são gémeos e pastoreiam as constelações congeminando vinganças
Incestuosas intenções há no templo entre fiéis irmãos do mesmo culto
Assim o escriba e a deusa se enlaçam no verbo que completa o nome
Assim é nomeada Inanna quando cantam as oficiais de Shara olham
Arina e tecem a sede com suas bocas de querer a sofreguidão heróica
A épica senda está enfim cunhada no barro de seus corpos que é casa
E casa é templo e alma e cella que a estrela habita quando se demora
Quando vê entende a plenitude da palavra é desejo e posse e entrega
E dádiva e luz e caminho e grito pálido e branco em flor das noites
Os dias são seus pilares redondos e esguios de torre caleidoscópica
Zigurate natural de quantos procuram e aspiram regressar ao ventre
Não esquecem o abraço da deusa-mãe que aquece as horas e dita luz
Sobre a eternidade dos sagrados pastos que alimentam toda a alma
Que Arina é luz e esta está nos olhos que se alargam até ao infinito
Que Inanna é seios de onde escorre o néctar da vida e o mel da sede
Que Shara é cálice onde mergulha a voz e o canto do sonho em flor.

Essa é a trindade celebrada quando as mãos se juntam sobre o peito.
Namasté irmãos e irmãs que na vida se dissolvem em alagado delta
Que tocado no vértice com vértice ao seis torna um número perfeito!

terça-feira, agosto 24, 2010

as muralhas de Arina ondulam sobre o rio

Pelas margens do Eufrates acima a prosperidade floresce e reina
Agora de Uruk a Mari todos e todas prestam culto à divina Shara
Todas e todos veneram Inanna, como todos e todas adoram Arina
E Gilgamesh está na primeira fila dos seus templos entre devotos
Homens livres, subalternos e escravos são seus pares na fidelidade
Que pelos sofitos bebem a mesma luz por onde ecoam as vozes
Cânticos moldados pelos lábios, língua e palato das sacerdotisas
Música embala e dançam e ondulam como fumo oficiais e iniciadas
Sob o pretexto admirado das aprendizas e mancebos guebros gentis
Que assim ordenam A Deus e Inanna às gerações até ser eternidade
Que é o tempo divino que aguarda o tempo de Gilgamesh e nosso
Homens e mulheres seus veículos de percurso aos caminhos da luz.

Lugal Gilgamesh ensag querido do delta e além de Mari e Hassuna
Respeitado e temido em Amorru, Tauro, por semitas como por gutis
Dos montes Zagro até Sumer, de Acad até Subarru se perfila ante ti
Arina doce berço da luz e princípio de todo o universo e abraço fiel
Círculo de ternura e colo da natureza de gerações e A Deus dos deuses
Ampulheta do fogo celestial e cadinho de lava acesa no coração gentil
Mandou erguer seis zigurates para lhe renderem memória e honra
Rio acima o Eufrates a todos e a todas propiciará seus enlevados hinos
Que grande é o esplendor da gratidão aos olhos do cilindro universal
Aquele que é telescópio da alma sob o cone das mãos dadas e irmãs
Cinco com cinco dedos unidos sob os desígnios do Sol, Estrela e Lua
Porque prestar culto não é venerar nem adorar tem iguais sentidos
Ecoam liras, flautas e alaúdes entre as espigas douradas do Crescente
E já da deusa a voz incita ao meneio e abraço das danças seculares
Porém Gilgamesh se inclina de mãos juntas sobre o peito livre e justo
E ordena a todos os escribas veneração a Shara beijando-lhe o ventre.

E as ordens do seu Senhor são a regra e a forma do estilete hábil e são
.

sexta-feira, agosto 20, 2010

do culto épico e seus desígnios


Sete reis aqui tiveram seu desígnio real antes do grande dilúvio
Bem mais de mil anos cada qual engendrou os destinos de Uruk
Conforme as benesses de Arina primeira ternura do universo
A Deus que aquece a natureza e a torna alma de toda a eternidade
Porém nenhum teve fama e glória e nobreza par a Gilgamesh
Unificador de Kish e Uruk sob a tutela dos Três Templos Maiores
Que trouxe prà cidade as tradições e templos da Nippur conquistada
E do Templo a Shara me fez escriba vitalício devoto a sua mestra
Senhora das damas dignatárias que tecem e entretecem a Ordem
E a divulgam e ministram às aprendizas e iniciadas como ela fora
E aspiram ao poder dos números e veiculam esse mesmo poder
A seus filhos predestinados ensinam pois a verdade sincera deles
A dizê-la e a defendê-la por base no cálculo e código alfanumérico
Verdade preferida entre eles devotos inegáveis e incondescendentes
Que negam e abominam as dívidas como também toda a mentira
Porque ninguém aceita viver na falsidade nem A Deus o consentiria
Sequer saberemos como isso será algumas vez que ninguém o tentou
Ou sobreviveu a tal mundo e ficou vivo e são para poder contá-lo
Descrevê-lo a pormenor e detalhe verosímil sem a doença da loucura
Sem o descrédito de seu juízo o ter feito indigno dos ouvidos livres
Dos atentos e sensatos meneios dos velhos e curiosidade das crianças
Que eles são os olhos e ouvidos e boca e odor e toque da inocência
Transparentes e cristalinos como o Eufrates na hora de correr lesto
Como quando o Tigre se espraia viril na terra plana de suas margens.

E tão assim é grande o seu apego à verdade sincera e lúcida e audaz
Que a História do nosso povo é narrada em poemas e pedras votivas
Que o desejo épico mais que fé se faz querer que é palavra e acto
Todo um em si mesmo como o dignitário investido de sua função
Que tão digno é ele dela como ela o é dele não havendo destrinça
Como o signo é o significado igualmente visto um se vê logo o outro
E a natureza é A Deus como Arina é a natureza que Uma na Outra é
Assim caminha o escriba com sua arte que sem ela ele nunca seria ele.

quarta-feira, agosto 18, 2010

a Ordem de Uruk


Uruk apresta-se para celebrar o regresso do glorioso Gilgamesh
Mais suas hostes e os ilustres dignatários e dignatárias de Nippur
Entre os quais estão mais três oficiais do Templo de Inanna dessa
Uma cidade que também tem três templos maiores e mui respeitada
Igualmente eleitas a completar o séquito oficial do Templo de Shara
E seis será o seu colégio mas uma delas escolhida mestra entre todas
Que representará o templo perante outros templos e decidirá as Leis
As aplicará e falará por todas nos actos públicos a quem as assistentes
Farão compromisso de fidelidade e obediência e respeito e interpretação
E exercitarão as pupilas aprendizes na iniciação dos misteres do templo
Cujo nível é imediato ao Templo de Inanna que ao de Shara tutelará
E ambos fiéis ao Templo de Arina, Aquela que é Deus entre os deuses
Porque assim é a Lei como as luas seguem os planetas e estes o Sol
Estrela e centro e Ordem do Universo e assim será a Ordem de Uruk
Que sob o comando de Gilgamesh conquistou Kish e se fez par de Ur
Os dois impérios do crescente fertilizado pelo Tigre e pelo Eufrates
Fronteiras da civilização e da sabedoria entre os quais os homens
São livres e cultos e tementes A Deus e seus escravos os seguem
Imitam em tudo e os seguem na fidelidade que lhes é sagrada
Como sagrada para nós é a soberania de Gilgamesh na trindade
E este venera e adora Shara que adora Inanna que adora Arina
E assim é a Lei e assim será cunhada nas tábuas que a ditam
Tal como no Plano se ilustram agricultores e pastores e dignatários
Porque o escriba segue a Lei e é seu arauto e provedor e intérprete
Como o serão homem e mulher em cada família e em cada lar.

terça-feira, agosto 17, 2010

da benção de Inanna ao templo de Shara


É conhecido que de Eridu a Hadyi Mohammed e deste a El Obeid
Sempre minha família serviu os seus soberanos com dedicação
E todos os mancebos dela com seus escravos foram com Gilgamesh
Acompanham e pelejam agora a seu lado contra Agga de Kish
Sucessor de Emmebaragesi, porém sem a sua estirpe guerreira,
E faz hoje sete dias depois do sacrifício do grande touro a Inanna
Cujos adventos e profecias foram favoráveis à família e empresa
Pelo que Uruk conhecerá a glória vitoriosa em quarto crescente
Conforme vaticinou A deusa, à Lua apraz e Arina ordena ser
Que nada existe no mundo sem seu querer e parecer pois d'Ele é
Seu também somos que A Deus é a soberana dos soberanos até
Que o mundo nunca terá fim se o seu louvor houver em mim
E em vós seus misteres como houve em minhas irmãs e sobrinhas
A quem A deusa abençoou-o durante o sacrifício doneando-as
E hoje são iniciadas sacerdotisas capazes ao prazer da maternidade
Se comungarem juntamente com seus guebros o Sol de Arina
E maior mérito não há pra família nenhuma se livre em Seu culto
Como na minha houve e nela tem a glória seu canto por Inanna
Que consta ter repetido o nome do escriba em Nippur oito vezes
Durante os ritos sagrados e todos menearam as cabeças anuindo
De tão conhecido ser e bem-visto na assembleia e as sacerdotisas
Sobretudo pelas eleitas a oficiarem no Templo de Shara o mister
Que são três entre as mais formosas e aprovadas na iniciação tida
A quem minhas tábuas muito ajudaram e agora repetem os hinos
Todos os dias sem engano ou falsidade para agrado de Inanna
E Arina que são exigentes ao rigor da palavra na entoada devoção
E clareza na metáfora que à Luz proclama sua bem-aventurança
Que única é perante a eternidade além de tecer a harmonia do lar
Casa do corpo e alma da voz porque também a si deve significado.

E nelas está escrito que um dia de glória se celebrará da volta sã
Por cada mancebo sob o comando de Gilgamesh verti o sangue
Bebido foi do touro em cálices de prata pelas virgens iniciadas
Lindas que estavam em seus mantos de seda e tules ondulantes
Braceletes com pedrarias e colares e contas preciosas e diadema
Prontas a receber os brios enlanguescidos dos jovens sedutores
Professos cada um em seu ofício de servir com dedicado esmero.

Essa é a certeza que A deusa nos conta sobre a vontade de Arina
Porque dita oito vezes se torna inegável de aprendizas a oficiais
E os homens de quantas léguas em redor houver jamais contestarão
Pois além de temerem os ditames de A Deus também A querem
E crêem que só assim será cumprida sua prece quando lhes couber
Os desígnios e vaticínios invocados em seu favor por sacrifício
Quando iluminado que forem os seus caminhos possam cumpri-los
Por mérito e sem despeito ou contra-canto seja com que lira for.

sábado, agosto 14, 2010

o touro de Inanna


A vida próspera e afortunada de minha família renova-se
E Gilgamesh tem honrado todos os compromissos assumidos
Com meu avô que incansável ajudou Enmerkar a construir Uruk
E minha avó, sacerdotisa de Nisuh, esposa de Enmerkar e deusa
E ambos discípulos de Inanna, progenitores do grande Gilgamesh
Meu Senhor, que autoriza apascentar meus bois nos pastos reais
Me oferece o serviço dos seus escravos nas sementeiras e colheitas
E assim nunca me falta carne nem escasseiam nas tulhas cereais
Nem linho e lã, ânforas e potes, cestas e peles, frutos secos e mel
Mirra e rosmaninho, açafrão e sal, peças de alabastro e terracota.

Na última oferenda feita a Inanna, A deusa revelou-me que A Deus
Sim, Arina, vai ajudar Gilgamesh a derrotar Kish finalmente
E que essa vitória será derradeira e total, pródiga e promissora
E justa, fazendo de Uruk o maior Estado, maior ainda que Ur
Com quem desde Meskiaggasher temos diplomacia e comércio
Mantemos paz duradoura não obstante as vis intrigas de Etana.

Todos ansiamos por esse dia e o templo de Inanna está cheio
Ricos pastores trazem-lhe cordeiros e bezerros pra sacrifício
É abundante a dádiva dos agricultores nas tulhas dos cereais
E até os ricos negociantes também não têm sido nada avaros
Nada faltando às sacerdotisas nem às virgens aprendizas d'A deusa
Desde perfumes, iguarias e óleos cosméticos, pedrarias e ouros
Pratas e cerveja e leite e flores e sedas e brocados e sedutores.

À volta do templo pululam homens e mulheres nobres e generosos
E a minha banca de escriba teve que empregar mais dois oficiais
Um é meu familiar, porém o segundo é de uma família vizinha
Muito esmerado e competente, avisado e de cunhagem perfeita
Que ainda não quebrou nenhuma tabuinha de alabastro sequer
Tal é o seu cuidado e subtileza na grafia dos caracteres e sinais
Aplicação dos selos e manuseamento das cunhas e estiletes.

Será a ele que confiarei a condução do touro sacrificado a Inanna
Quando Gilgamesh pois é mau presságio ser levado por parente
Da família da dádiva com raparigas a serem iniciadas entre as virgens
Pois quem conduz o touro pode possuí-las se A deusa quiser e ordenar
Que a coragem e a força devem ser imaculadas como o sangue doado
Se o touro for digno dos favores de Inanna nos ritos e hinos a Arina
E obtiver a plena realização criativa das forças divinas e naturais.

Digo-te isto porque tenho certeza d'A Deus nos concederá de futuro
Outros vinte e cinco séculos como concedeu nos ledos já passados
E tu sabes que assim continuarás a ser Senhora de mim e dos bens
Que sendo meus apenas teus são a quem A deusa imita e me rendo
E enleio e desmaio na ondulante sofreguidão da serpente de tua alma
Esse olho de Aldebarã sobre as Plêiades e Híades aceso e sibilino...
E isto te digo pra que o não esqueças nem nenhuma de nossas filhas!

sexta-feira, agosto 13, 2010

acta nupcial

Nesta Lua Nova, sexta-feira, dia treze do oitavo mês
Estou em Uruk, meu amor, a vinte e cinco séculos de ti
E as árvores são as mesmas árvores cuja sombra te abrigou
Os animais rareiam mas são tão iguais aos que perseguiste
Excepto aqueles que nunca cheguei a conhecer se extinguiram
Os mesmos rios correm com idênticas águas sempre outras
O Tigre e o Eufrates antes cristalinos e insubmissos fluem
Agora tímidos e sujos e estagnam em barragens avulso
Os homens e mulheres já não flanam em sedas, linhos e lãs
E os brocados perderam as figuras geométricas que os esculpiam
Os losangos, círculos e triângulos da incógnita decimal divina
Nem inquietas danças balançam sob a sua passagem fugaz.

Mas esta esquina é a mais frequentada da cidade desde cedo
E nunca me falta trabalho, às vezes ainda se não vê claro e já
Tenho agricultores ou ricos negociantes para grafar contratos
Viúvas que querem mandar cartas a seus filhos e mais parentes
Nem nunca me faltam as tabuinhas de alabastro e terracota
E a deusa Inanna protege ciosamente altiva os seus súbditos
Porque Inanna, deusa do amor e da fecundidade, também é fiel
Súbdita incansável de Arina cuja luz a todos igualmente ilumina
Incluindo Gilgamesh, Enkidu ou até o sobrevivente Shuruppak
De quem o dilúvio quase tornou o único homem sobre a terra,
Embora se saiba hoje que não foi assim, pois todos aqueles
E aquelas que ao momento adoravam A Deus nos altos píncaros
Dos montes se salvaram ilesos e íntegros na carícia do vento
Como quaisquer frutos altaneiros a que as águas não atingem
Ou o voo das aves se torna impróprio ante encascada polpa.

Foi a principal prova do poder e gratidão de A Deus entre nós
De como o seu louvor é benfazejo e imaculado e são e puro
E de como nele os netos dos homens se fazem à medida avós
E de como o mundo todo é seu templo sem cúpulas nem muro.
palavra: pão da alma, numa
constelação sem remorso

"O persa – tão zeloso em rejeitar
Imagem e altar e as paredes e os tetos
Dos templos construídos pelo homem –
Cavalgando os altos píncaros dos montes,
A lua e as estrelas adorava
E os ventos e a matéria primitiva
E todo o firmamento, eram para ele
Ao mesmo tempo Deus e natureza."

Wordsworth


Quando pouco a pouco mergulho meus dedos no teu cabelo
Água cigana de rebentar em cachos à tona do verbo a tez
Cingido diadema da voz distante cintila e desenrola o novelo
Da fala, eis a luz, aqui a chama, a onda sobre a areia se desfez
Além o gesto nos lábios acesos de dizer o nome Era Uma Vez
O Sonho
que esperava à porta mas uma janela porém se abria
E sem bater entrava enquanto à solta de tanto bater o coração
Partia, e nas asas do serão, a terna noite murmurava Bom dia!...


Quando assim era, dispersa a alma sôfrega à desfilada acendia
Nos requebros tónica irregular da marcha à volta deste castelo
E guebro me chamavam, parsis do fogo que do alto do monte
A voz ao céu lançava tendo por único templo todo o universo
Devoção ao eu superior cujas filhas soberanas da delta fronde
Souberam, e ainda sabem, ascender por seus raios se o reverso
Da vida se mostra à sua ínclita face ou a insana febre defronte
Infiel à pureza singular, honestidade e benevolência ordenadas
Com que a regra se exige a quem erga as palmas bem cruzadas.

Divindade do fogo, cor da energia tomada em seu supremo ser
Aceno secreto A deus revisita angelas formas e te penetro fala
Que dizer é acender o nome até nele gerar o grito que não cala
Depor-se na argila dos píncaros zoroastros e luz até o céu ferver
Reunindo em si fogo, ar, água e terra com que de si a si se gera
Espelho circular cujo brilho encerra a palavra é assim tida vera
Se verdadeira e única explicar todo o firmamento duma só vez
Que ao resto do mundo natureza e divindades igualmente serão
Pondo caminho de luz a rasgar o breu se o céu tremeu azul e pez
Até este aquecer ao forno em que cozer da alma seu próprio pão...

Sim, conta-me outra vez, como foi que Pitágoras fez aquele dez
Nascer somando os primitivos quatro números (um, dois, três
E quatro) e nele resumiu o sistema solar por quantos planetas são
Nove ao todo, zero, enfim, que de tudo é princípio e também fim
Sinal de ligação, alvo, núcleo de célula e protoplasma, íris e visão
Sopro de Gês que serpenteia e abraça ovos de Fénix e Querubim
E exala do ninho de nardos, mirra e cinamomo a chama derradeira
Também primeira a iluminar a vida sendo-lhe margem e fronteira.

Conta-me, para que nunca o esqueçamos, seu voo até Heliópolis
E como as demais aves fizeram cortejo real em seu redor e do Sol
E com ouro, incenso e mirra exéquias a seu pai cumpriram gentis
Em Tebas assim o Egipto renasceu esplendor no ledo e fértil atol
Imperial como antes e próspero com plumas de ouro e carmesins.

Conta-me, que não renego meu ser guebro no seio e luz dos parsis!

quarta-feira, agosto 11, 2010

Sagitário, cavalo à solta, no céu suspenso


Júpiter recompensou Quíron pela sua índole e nobreza
Sabedoria e sentido de justiça, colocando entre as estrelas
Esse mesmo dorso que embalou Esculápio foi com certeza
O mesmo que Apolo e Diana cavalgaram sem lhe pôr selas
Nem arreios, mas antes a confiança da liberdade e sageza
Que entre as pérolas da verdade são as mais puras e belas
Mais humanas e divinas, comuns aos deuses e à natureza.

É desta comunhão que se acende a luz da digital binária
Estirpe daquela e daquele que por amor jamais prende
Mas aprende que a fusão entre os géneros não é contrária
Aos genes, nem isso prova que a humanidade descende
Da imortalidade dos deuses que espalharam sua semente
Em abundância, e se de virtude alguma deles se pretende
É essa intenção de domar em si a sua própria alimária...

Porque aprendido o passo a seu processo pouco falta voar,
Galope com salto sobre o destino cujo arremesso é o voo
Desse homem que consigo desde menino seu dorso usou
Para sonhar, e tanto sonhou, que Plutão invejoso o castigou
Por ele amar a vida e aos mortos, de arremetida, ressuscitar.

Dolorosa lição essa, e só se imagina visando o firmamento
Quando a luz dá forma equina e costura os pontos acesos,
Traçando o gesto a giz no manto azul do céu esse momento
Em que por amor nos tornamos livres prà vida ficar presos!

segunda-feira, agosto 09, 2010

Alinhavo Restaurador


Por cada vez que o poema se esgarça, e rompe
Deve ele ser novamente cerzido com linhas de prata
Para assim quem o leia, soletre, recite, partilhe, compre
Venda, veja do filigrana a ternura que o pesponte
Nas costuras comuns a quantos consigo trata,
As cruzes em X que os liga, une e ata.

Deve igualmente, na mecânica do restauro
Salpicar a luz da lua prateada com o solfejo da cor
Duma pepita dourada, mítica e fabulosa do Centauro
A tremeluzir num céu de pez, cuja incidência estrelada
Cavalgue galáxias como pradarias de campos em flor,
Que nesse caminho por Quíron trilhado, há a única aura
De magoar a dor, com a luz da cruz na cavalgada.

Que esse astronauta cruzador feito nome primeiro
É o mesmo que ao amor oferece o peito aberto,
Pondo o verbo semeado de alegrete em canteiro
Arroteando jardins nas dunas e areais do deserto!