A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras

A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras
São o chão em chamas onde as lavras

sexta-feira, junho 26, 2015

VER E CALAR É TÃO CRIME COMO MALTRATAR




VER E CALAR É TÃO CRIME COMO MALTRATAR


O ambiente não são coisas, não são seres, não é lugar, mas relação – relação de aprendizagem, relação de convívio, relação de trabalho, relação de cidadania, relação de lazer, relação de mercado, relação de religiosidade, etc., etc. E, não obstante todas e todos lhe reconheçam o valor de uso (quotidiano ou de propriedade), continuam sendo apenas uma rara minoria aqueles e aquelas que se preocupam com a sua importância, aperfeiçoamento e (re)qualificação, passando, exatamente por isso, salvo-conduto ao laissez-faire (público e privado) típico das atitudes político-administrativas do mundo esclavagista e mediavalesco. 

A grande desculpa ou mentira social que alimenta esse status quo tem sido o subdesenvolvimento que, aliado à carência de recursos (financeiros e humanos), vai servindo de biombo da generalidade dos organismos autárquicos e das populações para se aprovisionarem de conjuntos habitacionais de sofrível qualidade que não vai além das ruas pavimentadas, do saneamento básico obrigatório, dos transportes públicos de massas e da proliferação dos espaços comerciais, em detrimento dos espaços de lazer e convivência positivos e sustentáveis desejáveis que promovam a inserção e a inclusão, a democratização e cidadania, resultando consequentemente dessa visão atávica cidades e vilas tipicamente bairristas, conflituosas, sem unidade de conjunto, semiabandonadas e de precário quotidiano. 

Portanto, estou em crer, que é chegada a altura de nos insurgirmos contra a indiferença e maus-tratos que os naturais de nossas terras e comunidades têm vindo a manifestar acerca do ambiente, justificando-se com a realidade deste não ser propriedade sua, sobretudo porque é de toda a gente, e que compete às edilidades conservá-lo e mantê-lo em bom estado e saudável, porque é mentira, uma vez que cada qual que estabelece relações nele, o habita, nele pratica desporto ou passeia, nele compra e vende bens, o frequenta para satisfação do corpo como da alma, é também seu condómino e proprietário, e deve ser responsabilizado por qualquer dano que ocorra. Principalmente se olhar prò lado enquanto o ambiente é danificado, porque então deve ser responsabilizado ao quadrado: responsabilizado por ter permitido a sevícia e por ter colaborado com o seviciador no vandalismo praticado. E não vale a pena espernear, que quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele. Porque o ambiente são as relações que a gente estabelece, e quem não cuida delas não as merece.


Joaquim Castanho      

quinta-feira, junho 25, 2015

DO JARDIM DE NOSSO CHÃO




DO JARDIM DE NOSSO CHÃO

No tempo em que "Era uma vez"
Ainda era todas as vezes das histórias,
Uma vez houve uma hortênsia
Que colheu uma rosa e a guardou
No cantinho mais quentinho de seu cálice,
Que, como todos sabemos, é o coração das flores,
Filhas de todos os continentes e todas as cores.

Pois então, esta flor que assim fez
Como se faz na vida uma só vez,
Guardou no seu secreto coração
Não quatro flores, duas ou três
Mas apenas uma – Vês?... – Como não?!!

Se estava descalça, ninguém sabe;
Ou se suspirou junto à fonte,
E lhe gemeu o âmago da semente, 
Ninguém ouviu. Nem tinha idade...
Mas que era flor que na raiz cabe
Doutra flor é bem verdade,
Tão verdade, que ninguém o desmente.

E como o fez? De que intento surgiu?
Quem reconheceu tal magia?
Quem aos anjos e a Deus pediu
Poder fazer o que essa flor fez um dia?...

Do que ao mundo foi notícia
E se viu na TV, e leu nos jornais,
É que além de sua vegetal condição
Houve também alentejanos jograis
Que colheram essa hortênsia
Para a plantar no seu árido chão
De onde não saiu jamais.

E aí, a flor que tinha na raiz,
Espécie invasora simples e bela
Floresceu tanto, que ainda hoje se diz
Ser aquele somente o jardim dela!


Joaquim Castanho

SAUDAÇÃO AMIGA




SAUDAÇÃO AMIGA

Tentei capturar o momento,
Torná-lo própria pele, só minha,
Mas fugaz, esvaiu-se no tempo
Deixando-me enredado em sua linha…

E o verbo com ele fluiu;
Resvalou conjugação insegura.
Que a palavra que a alma sentiu,
Nasceu simples – e vive pura.


Joaquim Castanho

quarta-feira, junho 24, 2015

BAILIA JOANINA




BAILIA JOANINA

Se adianta propositada
A conjugação imperfeita,
Numa rima bem descuidada
Onde a distância s'estreita...

É frevo joanino, tradição,
Deambulando noite adiante,
Letra nova pra velho hino
Na batuta dum diletante

Que aflora índole magoada
Em fado de mexida função,
Estendendo copo peregrino
Se já a sardinha pinga no pão.


Joaquim Castanho

terça-feira, junho 23, 2015

ASANA DE LUTA




ASANA DE LUTA 



De costas viradas não te vejo
Mas sei onde estás e sinto-te real...
São como sentidas estrelas em cortejo
Que me marcam fulgentes, por sinal
Quase de línguas incandescentes
Com que se diz o sonho (ou o virtual)
E me dedilham de vertigem e solfejo
Num abismo de perder a noção de bem...
Ou de mal.


Serenas pausas entre seres afastados
Acontecem espaços por acontecer também,
Que se em metros forem bem contados
Nunca bastarão para afastar ninguém.


Ou silêncios, que igualmente distanciam
Porque distas são as costas que se avistam
Entre os ritmos que a estudar cadenciam
A chegada dos conceitos que nos pautam


O navegar, o surgir significante com significado
Que estar de costas é estar virado
Ter por dentro o que é de dentro
E por fora, o mesmo lado... 


Entre costas há o mar, oceanos de lava pura
Arquipélagos de literatura, intrigas, enredos,
Vidas, condenações por amor, perdições e segredos
Poetas que fizeram da existência outra aventura.


Há os destinos, sem chegada nem partida
Sinas que se cumpriram sem sair daqui,
Vidas tumultuosas que engrossaram a vida
Miríades de tragédias que sentado vivi.


São diferentes, estas bandeiras desfraldadas
Entre nós, redes tão parecidas às pesqueiras
Que de nó em nós emalham as seteiras
De onde vigiamos as simples madrugadas
Que hão de descobrir o caminho de nós
Tendo nas ondas outras estradas
De cabelos (ser)penteadas a sós
Pelos dentes das paixões despenteadas.


Porque dessas somos apenas as mós
Que separam o pó das palavras soletradas
Costas com costas, combatendo o que vier de fora
Que as sentidas sentinelas só sabem sabendo
A sentida soletração que em nós nos demora.


Costas com costas, do anoitecendo
À aurora, que o futuro é um ontem tecendo
A teia que somos nas palavras do agora!



Joaquim Castanho

PESSOAR NAS INTERMITÊNCIAS DE SER





PESSOAR NAS INTERMITÊNCIAS DE SER


A minha aldeia é tão grande como todas as aldeias interiores
Porque todas as aldeias interiores são simplesmente aldeias
Incluindo as grandes e as cosmopolitas com um rio ao meio.
Todavia, quando preciso de trazer-me cá fora a arejar
A brincar com as veleidades da rua, murmurar doçuras às garinas
Sorrir aos cães que passam, deitar a língua de fora às margaridas
Atirar beatas com um piparote, correr atrás dos pombos mansos
Fazer poemas às cachopas alegres e bonitas de saias ciganas
Escutar a mexeriquice dos cafés, hipermercados e esplanadas
Esquecer o silêncio dos corredores dos edifícios seculares
Planger as cordas que acordam o destino e jungem a esperança
Sofrer as descidas abruptas do lusco-fusco a escurecer sombras
Esgrimir a voz no implorar dum beijo somente, tão-somente um,
Então, ponho-me à esquina, à tua espera fixando toda a gente
Indiferente ao lugar, numa esquina qualquer, incógnita e anónima
E anónimo, aconchegado pela hora de chegares a sorrir e ímpar,
Embalado pelo misterioso enigma dos teus olhos a dizer indizíveis
Que são capazes de sobrevoar as maiores distâncias e vazios
Atravessar multidões, ficar muito depois do comboio partir, a ver,
Regressarem por detrás do autocarro, prever a velocidade, a nudez
O pulsar do minuto, do segundo, o ritmo (acelerado) da respiração,
Serem outros para ser aquilo que são em si mesmos e são em mim
E lerem na profundidade da minha mente o que não sei lá estar
Até ao destemido recôndito das intrigas inconfessáveis e urgentes
Tão íntimas quanto é subornável meu querer perante tua vontade...
A que não sei resistir

A que não posso resistir

A que não quero resistir.


E me faz conjugar o verbo nunca como sempre, sempre no futuro
Incondicionalmente no incondicional sem ses nem mas ou porquês.

(E a propósito... Quem da vida disse  não haver certeza alguma?
Olha: mente. Diz-lhe descaradamente que está errada/o, e emente
– Como sempre, e sabe, que é quem mais do que nunca mentiu!...)

Joaquim Castanho      


DÚVIDA EXISTENCIAL





DÚVIDA EXISTENCIAL

Se o destino nada nos dá,
Nem sequer uma satisfação,
Então… por que na vida haverá
Sempre hipótese de «sim» ou de «não»?

Joaquim Castanho
  

segunda-feira, junho 22, 2015

O EURO TAMBÉM ESTÁ NA MODA




O EURO TAMBÉM ESTÁ NA MODA


Nossos euros, inglórios restos, de dígitos estreitos
Arredondados no defeito rimado da quadra estéril,
Sem o verde pino e canções de amigo, rios e leitos
Cuja foz é postigo aberto virado prò oceano fértil,

São palavras que ferem como ferro fundido, aço vil,
Incêndios de pobreza, berço para marginais atreitos
À queima da floresta social, e plantio da mente senil,
Que eucalipta o luso coração, e o dos egrégios peitos...

E mais que tudo, são ainda palavras estigmatizadas
Ou tabus de quantas carteiras vazias, ocas e ardidas
São pela dívida, défice e desemprego escancaradas;

É que de tão esticadas em nobres usos e contas tidas
Se fizeram esbeltas e ganharam linhas adelgaçadas,
Metendo inveja às meninas pela passerell perdidas!


Joaquim Castanho 



FOTO DE FAMÍLIA





FOTO DE FAMÍLIA

Aguardo-me com a saudade de ti
E fecho-me como um livro aberto,
Que o amor, esse mesmo é aqui
Hoje teu rosto pra um beijo certo...


O melhor sonho que acordado vivi
Na distância dum afeto tão perto.

Joaquim Castanho

DO REINADO UTÓPICO





DO REINADO UTÓPICO

Então, os julgados julgarão a justiça
Que os julgou, porém com comiseração,
Pois onde viram abuso e cobiça
Também já o laxismo metera a mão.

Porque, como sabido é, a razão e a verdade
Nada têm – nem nunca tiveram! – a ver com ela...
Assim como, na maior parte, a sua autoridade
É tão-só a corrupção a fazer seu o que era dela.



Joaquim Castanho

domingo, junho 21, 2015

IMPETUOSO IMPROVISO




IMPETUOSO IMPROVISO


Raiam nas colinas dóceis dos verdes anos
Os reflexos das salinas sob esse sol divino,
Quase ventres de meninas em alvos panos,
Velas em X de ansiar pra cumprir destino.

E têm seu jamais escrito pela imediata tinta
Dos pontos cardeais num sorriso encantado,
Como quem à incerteza dribla com a finta
Da meiguice gingada dum biquíni molhado...

Declaro para mim breve ser, só doçura leve.
Que não cederei ao repentino, e ao espanto
De quem pelo temor d'esquecer o escreve;

Mas a brisa segreda-me ser tarde pra ser santo...
E aí o vento do desejo sopra forte, fero e tanto
Que a declarada intenção de nada me serve!

Joaquim Castanho     

O POETA






O POETA
Michael Connelly
Trad. Eduardo Saló
480 Páginas

"A escrita exerce em mim o mesmo efeito que o conteúdo desse copo em ti. Se conseguir escrever sobre o caso, é porque o compreendo. Nada mais me interessa."

"Queria ser escritor e afinal tornei-me jornalista."

"Uma pessoa tenta reconstruir um puzzle em conformidade com o que tem na mente."

"– Vou escrever sobre o meu irmão – anunciei. (...) Depois disso tudo se alterou na minha vida."

"A morte é o meu negócio. É dela que vivo. Baseia-se nela a minha reputação profissional. Trato-a com a precisa paixão de um agente funerário – grave e consolador perante os enlutados e artesão eficiente com ela, quando estou só. Sempre achei que o segredo para me ocupar da morte consistia em a manter a uma distância prudente. É a regra de ouro. Não permitir que o seu alento me atinja a cara."

Sob o modelo narrativo das "bonecas russas", matrioskas, ou das caixinhas que têm uma caixinha dentro que têm outra caixinha, e por aí fora, até desvendar todas as peças do puzzle num quadro geral, este romance assenta, contudo, numa estrutura molecular poeniana, cujos pilares, ou formas essenciais (e explícitas) são: A Queda da Casa de Usher – conto que gira à volta da temática dos sepultados vivos, vítimas dos seus antecipados terrores – e da poesia do mesmo Edgar Allan, principalmente do poema País dos Sonhos, e no qual, aliás, vem a residir a chave do enigma policial, num enredo aos socalcos, em que, a cada nível, se tenta colocar o leitor "fora do espaço, fora do tempo", tornando-lhe as conclusões obsoletas na justa medida em que a elas chega, demonstrando uma vez mais que em poesia uma coisa é sempre outra, qual encadeado metafórico cujos limites não cabem na ideia que possamos ter de infinito, pois que, invariavelmente, logo que compreendemos algo, outro algo se eclode na nossa compreensão, exigindo imagética realização, ao contrário da Dicotomia de Zenão, onde para se alcançar um objectivo depois de percorrido metade do trajeto ainda faltará outro tanto, tornando a demanda impossível, porquanto esta compreensão é heurística mas aberta, visto qualquer descoberta (ao entendimento) não ser mais que o impulso direto – e motivador – para nova descoberta.
Enfim, um livro que só lido, pois que contado vamos obrigatoriamente baralhar-nos nos enredos, enredados na trama e… tramados. Ou incomunicativos.   


Joaquim Castanho

sábado, junho 20, 2015

A TERCEIRA ROSA





A  TERCEIRA ROSA
Manuel Alegre
(1998)

Eis mais um romance  fragmento que caminha, que se revela em cada painel desdobrado do pórtico histórico do pré, pró, contra e após 25-A,  com diversos amores ao amor pelo meio, exalando uma mescla de qualquer iguaria quimérica de elevado condimento provençal e cavalheiresco, que quase remanesce por milagre, posto que se interpelarmos a mancha gráfica sobre o que traz por dentro, entre capas e fólios, a resposta cai rotunda e sem margem para dúvidas: «São mulheres, senhor. Rosas de seu nome, a maioria delas, mesmo se já morreram ou prostradas repousem nas bermas da prosa, alguéns que cresceram em mim, para mim, por mim e comigo, enquanto a liberdade se reinventava e nascia para nós.» O que, ressalte-se, tanto se pode dizer acerca deste romance como de qualquer outro que tenha por background o ambiente sociopolítico português, dos finais do salazarismo, da primavera marcelista e do primeiro 1º de Maio sob os auspícios da revolução. Ou cuja data de referência se viesse dos 60 libertando quanto o permitissem as malhas do império e da raça insana, considerando que se nota deveras nele a intenção autoral de os refletir, de os lapidar, depurar e, consequentemente, espremendo-lhe os inúmeros pontos negros com que pintalgaram a história. Uma revolução sentada na varanda com um sinal (flor) na mão, confirmando a sua anuência ao encontro marcado. Qual menina que não expira nunca totalmente e se procura em cada mulher cuja inocência ficou e passou mas ficou em nós, como marca distinta de todas as paixões que imperiosas arrebatam, ferram, selam, aplicam o ferrete modelar que nos há de perseguir vida fora.
Aliás sequência de flores, de pessoas, de sinais... Primeira Rosa, segunda Rosário, terceira: rosa. Como que a inquirir-nos, semelhando William Shakespeare, o "que há num nome? Será que isso a que chamamos rosa, deixará de ter o mesmo suave e doce aroma, com outro nome qualquer?" O que nos motiva a esperar para ver, para confirmar o talvez – de Talavera e Malos Pasos –, que faz com que a morte seja o mais bonito, o clímax da faena, o que somente poderá acontecer no final do espectáculo que ahora se recuerda pelas cinco em sombra de la tarde, já que não há nenhuma morte que não seja igualmente muitas outras. Precisamente porque sempre que alguém morre, sempre que algum companheiro perece pelo caminho, é também mais um pedacinho de nós que se apaga. Talvez Rosário; talvez Cláudia; talvez Talavera. Mas o seu verdadeiro nome até poderia ser Pandora, se houvesse quem o procurasse insistentemente... e quisesse abrir.
E porque não? Alguém que seja todas as que não querem morrer das paixões que suscitam, que passam mas que ficam. Porque esse alguém há de ser visível nas águas do rio, da Ria – para ser mais exato –, no dia 1º de Maio, conforme conta William Faulkner, em Mayday, que é crença enraizada, segundo a qual aquele que olhar a água do rio neste dia verá nela o rosto da pessoa com quem casará e por quem se darão todos os tropeções no escuro, incluindo aqueles que já não acreditávamos ainda ser possível alguém dar, tamanha é a cegueira, considerando que a força das rotinas disso o impeçam, tão inevitavelmente quanto estas nos prolongam, mas nunca conseguimos contornar por maior que seja a nossa experiência de vida e, reforçada pelo conhecimento, esteja nela firmemente consolidada a sensatez que nos assiste.
E quem diz rio, diz Ria, diz rio Alva, diz Alba, diz aurora, diz madrugada, enfim, diz multidão que se manifesta na rua. Pois o homem ainda continua a ser aquela mosca zumbindo sob o copo invertido das suas ilusões, que inventa verdades, histórias, romances de cavalaria, aventuras onde seja o herói absoluto, tendo a sua amada como causa e motivo único. Exactamente assim. Cruelmente assim, e conforme cada qual seja capaz de se arremessar para melhor ficar.


Joaquim Castanho

CERTIDÃO DE ENAMORAMENTO




CERTIDÃO DE ENAMORAMENTO
 

Deve haver uma lenda, um fado, um mito
Onde esteja o nosso destino traçado:
É que ao olhar-te, ao ver-te, acredito
Que temos o futuro escrito
No mais íntimo esperado.


Continuo, depois destes anos todos
Como desde a Escola me acontecia,
A perder os sentidos, a sensatez, os modos
Mal te vejo, como vendo-te, fatalmente em ti me perdia.


Perdia a noção do real, e da fantasia;
Perdia o pé, o equilíbrio, a certeza do gesto;
Perdia a luz, tanto a da noite como a do dia,
Enfim, então tudo perdia, só não perdia tudo o resto.


E não perdia este prazer que tenho de sonhar
Tudo, tudo trocar, nada sentir como meu
Exceto o secreto pressentir que é o teu olhar
O selo, o anel real, aquele que valida (a realidade)
E dá garantia de verdade – e vida
A todo o universo: terra, mar, sangue e céu!


Daí que quando assim, nada deseje então
Senão o que há em mim
Quando te nomeio dentro do mito,
Que me arrebata e penetra como grito
Do sonho nascido por ter-te no coração,
Tão dentro, que te vejo no brilho expedito
E no luminoso céu em que acredito
Estejas cintilando estrela sim
Estrela sim, estrela sim
Estrela sim, estrela sim...

– E porque não?!?...

Joaquim Castanho

sexta-feira, junho 19, 2015

CERTIDÃO de ENAMORAMENTO




CERTIDÃO DE ENAMORAMENTO
 

Deve haver uma lenda, um fado, um mito
Onde esteja o nosso destino traçado:
É que ao olhar-te, ao ver-te, acredito
Que temos o futuro escrito
No mais íntimo esperado.

Continuo, depois destes anos todos
Como desde a Escola me acontecia,
A perder os sentidos, a sensatez, os modos
Mal te vejo, como vendo-te, fatalmente em ti me perdia.

Perdia a noção do real, e da fantasia;
Perdia o pé, o equilíbrio, a certeza do gesto;
Perdia a luz, tanto a da noite como a do dia,
Enfim, então tudo perdia, só não perdia tudo o resto.

E não perdia este prazer que tenho de sonhar
Tudo, tudo trocar, nada sentir como meu
Exceto o secreto pressentir que é o teu olhar
O selo, o anel real, aquele que valida (a realidade)
E dá garantia de verdade – e vida
A todo o universo: terra, mar, sangue e céu!

Daí que quando assim, nada deseje então
Senão o que há em mim
Quando te nomeio dentro do mito,
Que me arrebata e penetra como grito
Do sonho nascido por ter-te no coração,
Tão dentro, que te vejo no brilho expedito
E no luminoso céu em que acredito
Estejas cintilando estrela sim
Estrela sim, estrela sim
Estrela sim, estrela sim...

– E porque não?!?...


Joaquim Castanho 

CERTIDÃO DE ENAMORAMENTO





CERTIDÃO DE ENAMORAMENTO
 

Deve haver uma lenda, um fado, um mito
Onde esteja o nosso destino traçado:
É que ao olhar-te, ao ver-te, acredito
Que temos o futuro escrito
No mais íntimo esperado.

Continuo, depois destes anos todos
Como desde a Escola me acontecia,
A perder os sentidos, a sensatez, os modos
Mal te vejo, como vendo-te, fatalmente em ti me perdia.

Perdia a noção do real, e da fantasia;
Perdia o pé, o equilíbrio, a certeza do gesto;
Perdia a luz, tanto a da noite como a do dia,
Enfim, então tudo perdia, só não perdia tudo o resto.

E não perdia este prazer que tenho de sonhar
Tudo, tudo trocar, nada sentir como meu
Exceto o secreto pressentir que é o teu olhar
O selo, o anel real, aquele que valida (a realidade)
E dá garantia de verdade – e vida
A todo o universo: terra, mar, sangue e céu!

Daí que quando assim, nada deseje então
Senão o que há em mim
Quando te nomeio dentro do mito,
Que me arrebata e penetra como grito
Do sonho nascido por ter-te no coração,
Tão dentro, que te vejo no brilho expedito
E no luminoso céu em que acredito
Estejas cintilando estrela sim
Estrela sim, estrela sim
Estrela sim, estrela sim...

– E porque não?!?...


Joaquim Castanho 

VINTE E QUATRO HORAS DA VIDA DE UMA MULHER




VINTE E QUATRO HORAS DA VIDA DE UMA MULHER
Stefan Sweig


Não é pelo fato de alguns livros serem relativamente pequenos que serão obras menores, mas antes pelo contrário, que se um homem tem algo para dizer ao seu semelhante, di-lo, sem rodeios, perífrases nem fosquices ou maneirismos, afetações ou impertinências, envieses ou maus-olhados, complicados de sabujo ou papagaíce de cocote, pois por mais importante que seja o que se quer dizer, isso se faz com pouca lambança e menos artifício, diz-se de uma só vez e está dito, fica seguro e firmado entre emissor e receptor, assegurado e de olhos nos olhos, como um aperto de mão, um beijo, um abraço, um soco, um pontapé, sem o mínimo equívoco, salamaleque ou astuciosa manigância, engenhosa mentira de subalterno ou complexa aritmética na artimanha das rasteiras da fala. Fica ali, de pronto, exposto como um brado, um marco geodésico, um rio que corre entre montanhas, uma cruz no alto do outeiro, um uivo de lobo ao luar, de pé e hirto na paisagem da noite, a interromper as passadas ou a rasgar as nuvens, estabelecendo ligação imediata entre o céu, a alma dos homens, e a terra negra de cultivo, o chão estercado e fértil, ou entre os ossos de pedra cinzenta e vulcânica dos esqueletos maternos e os seios ancestrais que nos abocanham a fome de pecar, de comer o fruto das paradisíacas frondes. Não carece de enfeites nem de néones suplementares, de carnavalidades natalícias nem de pisca-piscas de sedução e convencimento alheio, mas joeira o grão da rabeira como se fora uma acesa vela no breu da madrugada, uma fresta de luar na clarabóia do telhado, uma árvore milenar no relevo da planície, uma bica de água cristalina a jorrar dos confins da contramina na serra do tempo. Porque nele, normalmente, pode ser e é dito tudo quanto deve ser dito e havia para dizer, sem remorsos nem escusas de falsa e hipócrita virgem.

É o caso de VINTE E QUATRO HORAS NA VIDA DE UMA MULHER, coisa de 160 páginas em formato de bolso e tipo médio, publicado pela Livraria Civilização – Editora, na tradução de Alice Ogando, antiga senhora das adaptações radiofónicas dos clássicos portugueses como estrangeiros, pelo menos dos não censurados clássicos, dos regimentais e incontroversos individualistas, todavia etiquetas pouco aderentes à pele do autor, pacifista, cosmopolita dos sete costados, deveras dado ao convívio e amizade, sustentáculos do Mundo de Ontem mas igualmente renovados no Brasil, País do Futuro, cuja panóplia de companheiros vai desde Freud, Dalí, Romain Rolland, Jules Romains, onde estabelece definitivamente que ler nunca é, nem pode ser, um ato falho de imaginação, mas ao invés, exige o exercício acuidado da descodificação de numeroso rol de símbolos, números, figuras geométricas, designações alfabéticas, cabalas, sem as quais os pequenos livros não sobreviveriam para lá de suas ralas páginas, e que balizam a mensagem que inspirou a sua criação e escrita. Porque ela estava lá e indicava, ao tempo, o único caminho possível para o povo judaico da Alemanha nazi, se se quisesse subtrair ao genocídio hitleriano, que seria, conforme o próprio fez, o caminho do mar até ao novo mundo ou país do futuro, e cuja inobservância pelos seus compatriotas esteve na génese do suicídio a dois, dele e da mulher, aliás também este à imagem e imitando aqueloutro de Kleist e Henricheta, seus biografados, repetindo-o, sendo-lhe analogia, tal como nesta novela Henricheta repete Mrs. C, reflexo intencional desse jogo de alegorias e seu espelhamento, processo de repetições em catadupa, de imagens que se multiplicam noutras suas derivadas, transformações apenas possíveis pela actividade heurística da metáfora, alegorias que se desdobram em analogias que, por sua vez, outras figuras alegóricas geram e espelham, e que afinal é, são, a confluência descritiva de sentidos que carateriza a ficção romanesca, o discurso narrativo apoiado na metamorfose e inquietude do (dis)curso da história. E da História – que ambas convergem sempre para aglutinarem-se mal a análise se faça. 

Porque, confesso, aquilo a que assisti sobretudo na leitura, não foi tanto as 24 horas na vida de uma mulher, mas sim 24 anos (por exemplo, entre 1918 e 1942) da vida da Europa, esse continente entre guerras, ditos assim dez anos antes do seu terrífico apogeu, em 1932, numa reunião, tão suspeita quanto ocasional, de sete pessoas numa pequena pensão da Riviera, de onde, porque lateral e paralela, era possível bisbilhotar a alta burguesia da época, enquanto mediática clientela do excelso, e em moda, Hotel Palace. Ou cada passo dos ponteiros no mostruário de um relógio de estação, símbolo de uma época que tem por núcleo fundamental a revolução industrial, os tempos modernos, simultaneamente imagem emblemática do cosmos, do tempo mitológico ou Cronos, mas igualmente do tempo anual das quatro estações, cruz do ponto cardeal global sobre o espaço-quando absoluto, para (re)desenhar nele os oito pontos cardeais da Rosa dos Ventos, fazer renascer nela, ou por ela, O Cavaleiro da Rosa, estrangeiro à cruz grega, mais tarde de malta, como se fora um Santo André, cuja crucificação em X, acoplada ao cristianismo, traduz o preciosismo barroco da Rosa Cruz, significando ela mesma um ciclo de renovação, indicativo da urgência de fuga do povo judaico, caso este não queira que lhe venha a suceder o que outrora aconteceu a essas duas ordens (Hospitalar de S. João e Santo André) sob o jugo beneditino, decisão que carecia de imediatez, de pressa, pois corria-se contra o tempo, aumentando-lhe o risco, uma vez que quanto mais tardia, mais se tornaria arriscada essa fuga, como enfim se veio a demonstrar mesmo impossível e mortífera para milhões de pessoas, chacinadas nos campos de concentração nazis.

Principalmente porque nela, nesta novela, tão iniciática quanto fantástica, está lá tudo isso dito mas calado, visto que carece de ser entendido usando a imaginação, estabelecendo relações entre termos anteriormente pouco relacionáveis, dito e sublinhado em diferentes e repetidas formas alegóricas, em analogias transformadas, incluindo essa quase pleonástica fórmula cabalística, derivada do modo de interpretação e análise do Antigo Testamento, cujo trajeto consiste em repetir as repetições, muito didacticamente traduzindo o alfabeto na sua expressão numérica, para assim ganhar a certeza de vir a ser compreendido por todos os homens e todas as mulheres, entendido pelo maior número de pessoas, ou de leitores envolvidos e interessados, como se fosse necessário explicar tão exaustivamente uma coisa, um cenário, um enredo, uma situação, uma chamada de urgência a alguém incapacitado de ver com os olhos, mas sobretudo incapaz de imaginar tudo aquilo que vá para além daquilo que as fere e impressiona. Isso, a urgência de partir mar fora sem receio de perder tudo o que ficara, o que deixara para trás, como antes já se conseguira (da Babilónia e do Egito) com engenhoso sacrifício e a tenacidade de povos eleitos na provação divina.

Porque escrever é transferir segredos, forjar cumplicidades anteriormente tidas por impossíveis e somenos recomendáveis, revelar inconfessáveis sentimentos, prospetivas e opiniões, transgredir os limites do racional através do inaudito, estabelecer ligações entre diferentes identidades, rasgar absolutos, renovar e multiplicar as possibilidades de ser quando em sendo se esculpem no verbo, tanto o do seu criativo como do leitor, que assim se insurgem para lá das fronteiras restritas da significação e soletrações ordinárias. É iniciar humanidades onde antes apenas havia percepções e sentimentos através da transfusão de metáforas, acalentar a liberdade pela expressão máxima da sua capacidade de disseminação e sobrevivência, anexá-la à teoria de vida de cada indivíduo tornando-a tão multifacetada quão diversa, e, por isso mesmo, não somente diversa e diferente como geradora de diversidade, rasgando não um mas tantos caminhos para a eternidade quantos os leitores, criadores e demais intervenientes que a interiorizam ou a expõem, assimilam como divulgam, e dispostos estão a reproduzi-la, recriá-la, aspergi-la em cada outro, semelhante, familiar, estranho ou simples "espetador esporádico e momentâneo" com quem contatem no seu dia-a-dia.

Pelo que se pode afirmar que a verdadeira tragédia de Stefan Zweig foi essencialmente fruto da sua humanidade, da sua crença no ser humano e na sua inteligência, por quem acreditou ser suficientemente lúcido para as ver além do visível e capaz de querer acima do seu egoísmo, necessidade de desenrasque adjuvante ao salve-se quem puder da sobrevivência animal, instinto e sentido de defesa particulares à visão antropocêntrica, narcísica, niilista, ortodoxa dos cânones bíblicos do mundo e da existência, e que uma vez desiludido se aniquilou, rendeu ao suicídio, transformando a morte num ato público de denúncia, um grito de alerta como de revolta, chamando a atenção para a incontinência xenófoba e intentou fazer retroceder a marcha aos nacionalismos, inverter as directivas burguesas, corporativistas e industriais que os geraram, a todos eles, bem como à sua vontade de poder na tentativa de domesticar a liberdade, servindo-se dela para oprimir outras nações e povos, e instituir a consciência coletiva como seu principal refém para obstruí-la ou amputá-la a quem se lhe opusesse, afinal tão comum ao século passado como ao atual, que ao abrigo dos conceitos e convenções de defesa contra os terrorismos utilizando práticas terroristas, legitimadas no quorum das nações pelo medo e prevenção deles, vai chacinando outros povos onde se suspeita estarem alguns dos mentores e/ou operacionais desse terror.

Visto que só um louco desumano, ou ser perverso de baixíssima índole, seria capaz de assistir à captura, humilhação e morte dos seus amigos, sem tentar contrariar positivamente isso, sem lutar por eles, alertando-os dez anos antes, e muito antes de todos os mais, naquele jeito de ir sempre à frente expondo-se exemplarmente, indicando o caminho do futuro sob a imperiosidade da fuga, usando a suas principais armas, a ficção romanesca e língua, como gesto de denúncia e brado de incitamento, deveras ansioso conforme lhe caprichou a vida e é comum a quem, até na morte, se quis demasiadamente impaciente: fazendo desta obra a sua carta para os conhecidos e amigos, também eles possíveis vítimas dum amok europeu que germinou no obscurantismo para contaminar toda a intelectualidade vienense, naquela indiscritível loucura que é a guerra – mundial para quem lhe assistiu de fora, mas efectivamente pessoal e cruel para quantos nela, ou por ela, pereceram. E que nem a sua criação literária poupou!...

Joaquim Castanho