A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras

A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras
São o chão em chamas onde as lavras

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Opa de Egito

Hoje, precisamente hoje,
Convido-te para dançar.
Na minha casa, fora de lama.
Traz o xaile, bagagem de quem foge
E o corpo pronto pra gritar
O grito de quem por ti clama.

Hoje, precisamente hoje.

Mais ainda: não te esqueças
Que na linda de um o outro se diz,
Sem limites mas sem promessas,
Que a rosa também tem raiz
Além de espinhos, cor, cheiro, forma
Espécie de sonho sem lei nem norma
Entre as pálpebras do guerreiro monge.

Hoje, precisamente, hoje
Convido-te a entrar pela fresta
De onde ser é ser, o corpo festa
Do perto que encarna o longe,
Com as malhas da humana gesta
Do aqui e agora, precisamente hoje...

Mas se vieres, vem como quem foge!

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Nicho de Apelo


Eleita descendente em sufrágios milenares
És a fresta entre as nuvens deste Dezembro,
Que vogam para o Norte em Vapores do Sul
Transmigram a água, transbordam o corpo
Digamos dele a alma à falta melhor termo.
Aparte algum Acaso nos embutidos em Álvaro de
Campos e campos que calcorreio caçador de rubis
É procurando-te até nas esmeraldas que te encontro
Em ti a safira dos olhos fulminando-me a ousadia
Quando entro no quarto crescente do teu sorriso
Que vem aspergir-me de luz, clarificar-me os dias
Exigir-me temperança e tranquilidade nos afagos,
Inclusive naqueles inventados e assim por dizer
Que se ditos invocam a realização, nomear é isso
Chamamento a que acorre o significado mais premente
Aquele que é irrevogável em qualquer significante
Por mais insignificante que seja, fonema menor
Morfema viciado na morfina da fala até à pronúncia
Dialecto de quem arrasta consigo o verbo donde eclodiu.

Nascido o teu verbo como nasceram todos os demais
Eis que nenhum ouço, mas se acaso murmuras e cicias
Ou com olhar aventas a emoção profunda das fantasias,

A mim que o escuto e amplio, até me parece que gritais!

quarta-feira, dezembro 05, 2007

A Gravata do Escriba
(Da mesa de Café, junto à janela)

Sentado no lancil, há cinco mil anos que o escriba ali está
O papiro sobre a prancheta, esta apoiada sobre os joelhos,
Os dedos sujos de tinta; tem ao lado a argila dos conselhos
E as folhas são mais de trinta, dos colhidos que não deu.
Portanto, é sabido, que para qualquer outra esquina que vá
Nada diferente disso fará, e nunca, por isso, alcançará o céu.

Alucinados os que sonham, querendo ou sem querer
Pois deles será o mundo que quiserem, se o quiserem ver.

Perco-me subitamente das visões próximas
Imediata é outra vez a outra cidade
E numa outra rua outra rapariga passa.

Que grande vantagem me assiste poder recordá-la
Quando afinal é a primeira vez que comigo se cruza
E nem parecida é com quantas outras me cruzei...
Mesmo aquelas que me puseram as bainhas da alma
À mostra, os alinhavos de querer e o seu avesso.
Sei de fonte segura que nunca antes a vi nem contactei
No entanto, recordo-a quando passa por mim
O olhar esquecido do presente, os gestos soltos
O andar desobrigado ao caminho, a fronte despida
De murais, faixas e slogans necessários à afirmação do ser.
Dirige-se ao invés do retrógrado para se não prender
Ao que decerto nunca foi e sabe todas as falácias das fotos
Onde jamais figurou como manequim cadenciado.
Escolhe das montras o espelhado reflexo da decoração
E não a ansiada posse da peça avulsa que se oferece.
Tem o destino traçado mas considera que esse destino
Se quer ser o destino dela, então também ele tem que fazer
Qualquer coisa definitiva e derradeira para que ela o assuma
Lhe seja fiel, a convença, se disponha a protagonizá-lo.
Ninguém lucra com o facto de ela por ali ter passado
Mas ao menos escrevem-se alguns versos, sinais pontuados
Placas informativas, correcções ao trânsito vulgar das vírgulas.

Sei que nunca a vi antes porque reconheço a falta que me fez
O significado ausente que de repente a sua realidade detonou,
O como foi possível nunca tal nos ter acontecido, se mês
A mês, dia a dia, ano a ano, da esquina onde agora estou
A tenho procurado com eléctrico fulgor enlouquecido!

Talvez não tenha procurado bem... Se calhar, distraído
Com as demais que ali passaram, ou outro motivo qualquer
Não a vira a ela mas, em seu lugar, apenas outra mulher...
Até pode ter sido, que as montras ali paradas, a olharam
E em si mesmas se viram, que ela nem as mirara sequer.
Porque ela ao passar, bem vincara a pegada da passagem
Vincando bem que o real só é real, se também for miragem!

Ia dizendo, que ao menos escrevem-se versos... Mal menor
À luz de quem passa se da passada ao final passado é,
Que quando se passa para ficar, é ficando que muda a cor
O matiz, a paleta, o sabor das torradas, o aroma do café
Seja durante a tarde, durante a noite ou seja pela manhã,
Que a alma quando arde, nos andará sempre enrolada
Ao pescoço, assim, bem dobrada, como um cachecol de lã.

terça-feira, dezembro 04, 2007

Terra: A Nave Especial


Foi inconsistente a vossa acção de liquidar o eu.
Quando roubaram o passado, devolveram o futuro
E se me abandonaram aqui, me recupero agora,
Como se tudo fosse tão assim à tona das palavras
Noemas plásticos feitos lagos interiores, margens
Insurrectas de escorropichar o imo, espremer o suco
Vida que nos banha por dentro em voz sustenida
E me define o existir como uma metáfora líquida
Corrente e impetuosa e cristalina a deitar por fora.

Por tal gostava de discutir contigo todos os pontos
Alíneas, artigos e anexos da nossa comum acção,
Pois são eles as balizas do golo, farol de evolução
Referência qualificativa do fruto inerente nos gomos
Intrínseca a cada um da qualidade que todos somos.
Negociar o próximo passo, a estratégia conveniente
Para a revolução exigível de sermos apenas gente.

Que diz que sim, que diz que não e mesmo talvez
Quando não só precisa nem teme o pior como revés
Conduta de esquecer o caminho que lhe são os pés
Ordenados minguados que não chegam ao fim do mês,
Braços cruzados, diplomas armados, bocas de arnês.

Acabar pois com a dicotomia entre o mim e o outro
Por sabermos que também um dia seremos apenas pó
Entre o muito pó que também um dia foi apenas corpo.
Saber que não há diferença entre realidade e percepção,
Entre facto e valor, entre masculino e feminino, entre dó
E compaixão, entre riqueza e pobreza, entre realização
E fantasia, entre objectividade e subjectividade, além
Daquela que é visível entre o assim, o mas e o também.

Consentimento na adversidade, adversivo tom de anuir
Por saber que a humanidade é tão-só mais uma parcela
Dessa enorme passarela que a Terra é, também para ela
Parte dessa eternidade que a vida insiste em construir!

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Acaso

No ocaso da rua
A acaso da rapariga.
Mas não, não é aquela.

A outra era de outra rua
No acaso de outro ocaso
Em outra cidade por acaso
E ao caso todos éramos outros.


Ouço Vozes de Ver-te

Fala-me de ti...
Procura o meu espaço no teu passo
E não te importes com a cor da bandeira
Na maneira desfraldada,
No mastro da nossa armada.

Fala-me de ti.
Diz o silêncio quando apagadas são
As cintilantes esperanças do teu olhar
Quando mão na mão e entrelaçados dedos
Ouvimos os segredos que conta a terra ao mar.

Fala-me de ti
Quando os limites da procura são a fronteira
Do corpo não apagues a janela, a seteira
O disparo da palavra conquistada
Que isso de acertar à primeira
É apenas sorte de quem não quis nada.

Fala-me de ti.
Procuro o meu tempo, procuro a procura,
Mas eles falam-me de ti
E eu sei que não será loucura!