A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras

A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras
São o chão em chamas onde as lavras

quarta-feira, fevereiro 27, 2008

1+1=2 e Sem Equívoco


Aquilo que os demais nem tentaram
Nós vamos conseguir, sim, conseguir
Unicamente com nossas mãos, dadas
O amanhã a brilhar no filtro do olhar
Os lábios tocando-se breves nas palavras
Soltas e livres, aves selvagens oceânicas.

Eu pressinto que é difícil desdizer algo
A réplica reside em libertarmos o medo
Em usufruir o desejo cósmico, explodido
Em gritar o Big Bang no pulsar do peito
Destruir a resistência interior à novidade
À diferente forma rebelde de segredar a vida
Cantar das gaivotas e sua alucinada visão do mar.

Elas sabem tanta coisa que jamais veremos
Tanta onda a fluir para a espuma da praia
Tanto sonho a morrer no areal, solidão sólida
Em costumes ultrajantes ao ser, à magia do coração
Condimentos de cimentar atitudes, sentimentos
Emoções, credos, necessidades de carinho e prazer.


Mas quando te procuro invento-te, real, premente
Asterisco, beijo devoto em teu misterioso ventre
E, sucumbido, desmaio ao penetrar-te urgente
De sermos dois, e em cada um o outro – para sempre!

Que essa contra natura da unidade, do um mais um
Igual a um, da conta que erra e está também errada
Não é Europa, não é diálogo, não é novo, não é nada...
É o medo e o ódio a decretar outro vil ultimatum
A amordaçar o "eu quero" com o sim de ficar calada.

Que ser dois na soma de tu e eu, amigos de eu e tu
É selar na Terra o terreno e leal e fiel amor intento
Despi-la dos castelos negros que houver no céu cru
Torná-la celeste e pura, estrela de ternura ou casamento!

terça-feira, fevereiro 26, 2008

Soslaio Antigo de Reinventar Afectos

Perdoa-me, se te olho
Como quem não te quer ver...
É que se a vida me escolhe, eu escolho
A melhor parte dela, e do acontecer!

Porque aconteces, não só se quero ver-te...
Que vejo-te mesmo quando não és real,
Quando não estás em frente de mim,
Pois habitas o reino sem bem nem mal
Apagando, contudo, o assim-assim
Que há no medo perder-te, enfim.

Perdoa-me esta rasura
Que o acaso, de simples, entreteceu.
É que os dias perdem a candura
Se te não vir, terna, pequena mas segura
Cativando o cativo que era já teu.

E perdoa-me também, se puderes
Este fingido desdém, este arrogante jeito
De dizer-te, que entre as mulheres,
És a única que me habita no peito.

Fraca morada, por sinal...
Aquela que não serve para ninguém.
Onde querendo, até com o mal
De refilar, de discutir, de ferver plural
Se podem caiar sem fingir, as paredes do bem.

Grafitá-las com imagens e arabescos.
Com fotografias, livros e jornais.
Com gritos e poemas simiescos
E grades e cordas digitais,
Pinturas, legendas, frescos
De aprisionar quem delas não quer sair – jamais!

Que as janelas de ver e ouvir
São as mesmas daquelas, que ao partir
Regressas sempre colorindo nelas
Novas cores, de restaurar, antigos vitrais!

sábado, fevereiro 23, 2008

Sigma de Alfazema no Remanso da Aurora

Manhãzinha toda já e o sol supérfluo
Eis que o silencioso SOS do seu raiar
Em violeta e rosa de veludo manso
De quem acordou sem tempo
Para aquecer a penumbra púrpura do horizonte,
Numa sociedade à pressa
Me segreda que ainda não é tarde,
Que ainda é possível o sigilo de uma conversa
De escutar tua voz a ciciar sobre o frio matinal,
E me diga ela como é ser brisa no deserto,
Um dever ser também nada fácil
Neste exilado universo onde o sussurro arde,
Neste estar na soletração imperfeita de um idioma bíblico,
Mandatária do testamento ancestral
Entre tijolos de papel, paredes rebocadas de sibilante sínese.

Saberemos nós alguma vez a sábia aquiescência
De estar simplesmente na simplicidade do sonho?
Sem sequer outro querer que o súbito acaso
Desenhando em cada segundo as formas conjugais de acontecer?
Poderá a palavra apagar a cor do silêncio
Quando receosos soslaios se cruzam em nossos esgares
Rascunhando de oblíquas linhas a sofreguidão do sol?
Poderemos nós adivinhar os porquês nos nós dos gestos
Abertos e permissivos para a imperfeição de sermos tão-só humanos?
Teremos nós o direito de cismar e discutir a razão ancestral
Subtraindo a história dos genes ao sedimento do taciturno ser?

Mas sem, sobretudo, insistirmos no entrincheirar das indiferenças
Como se elas fossem a vanguarda da incerteza de nós
O sol sobe no céu e cedo à sede de escutar a tua voz...

Até quando?... Se assumirmos o soletrar do sol
Supérfluo será na manhãzinha já, que meu olhar
Sob o teu, rendido de estar, é secreta síntese do sentir,
Fala de crer a esculpir a brisa de teu rosto sobre minha noz,
Minha casca da voz, em versos de pedir
Teus lábios infantes inscritos na fonte dos dizeres
Que nunca sucumbem nem se calam
Que nunca se prostituem nem se fecham
Que nunca se amedrontam
Que nunca se secam
Se meus olhos viageiros lhe imploram prece.

Simples na devoção de rogar-te atenção
Me asperges sem favor, tal como o sol brilha
Se ergue largo e luminoso, e me lava com lavanda matinal,
Assim, o suco azul, rosa e violeta de teu gabão
Me sacode e acorda do soturno ler na ilusória solidão!

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Sítio de Adorar e Remover a Ânsia

No lá do lá, onde os ninhos são da cor da esperança
E o meu coração desfolha as páginas de Camilo,
De Eça, Aquilino, Torga, Natália ou Ilse Llosa
Rendido e à mercê da mulher-princesa, mulher-criança
Menina enorme dos meus dias vagabundos sem exílio...

No lá do lá, onde e quando o verde é cor todo o ano
E as mulheres carregam o ouro da liberdade
E escolhem o amor, e amam como escolhidas,
Depositando em cada sílaba de escrever saudade
Os infinitos minutos de dizer o eco de quem chamo
Sempre no silêncio das tardes mais cumpridas
E incendiadas
E inconsumidas
E incontornadas
Porque no sentir foram sentidas

Também como horas, de recordar o desejo adiado
Na ansiedade com que apagámos o beijo calado
De quantos não dados nas tardes alentejanas
Ou das repúblicas que não implantámos
Somente porque nossos verbos anarquistas
Não ousaram dar o tiro regicida ao medo,
Alvo de sermos simplesmente livres – ou apenas segredo.

No lá do lá, onde o verde floresce, até nas canas
Nos musgos, silvedos que não regámos
Nem pedimos, há uma vivenda onde reside a esperança
Como se ela fosse mulher
Menina
Astro qualquer
Lua pequenina
Mas enorme porque germina, e é semente de criança...
Ou inocência

Que flameja numa crença.

Então lá, no lado de lá do lá,
Na estrela ou lar de ser apenas teu
Sem mais nada sob o céu
Não terei outro deus nem demais papiro ou véu
Nem outro ser a quem pertença!
Secreto Adiar em Respostas Acabadas

Há sempre essa stressada coisa de decompor silêncios
Offs irrecuperáveis, metáforas de distâncias intransponíveis
Pequenos muros que limitam o aspirar aos céus infindáveis
Sofríveis, e derradeiros, e cruéis, e devastadores, e imensos...

Há sempre portas desenhadas em todas as masmorras
Ilusões para a liberdade, virtuais janelas do ser
Que se quer sequioso e faminto e imperioso e urgente até perecer
Como se fosse descartável na voz das bestas e suas patorras,
Centuriões da ignorância, ímpios algozes da frustração e do poder.

Há sempre esperas, infinitas no abrir da cova
Mortos que aguardam vez prà sepultura, que o medo renova
Por cada outro que caiu ao nosso lado, companheiros assim
Num dia "boa tarde", no
outro
ninguém fala
Os olhos para os não vermos estendidos ao comprido
Na vala,
Inteiriçados, incrédulos ainda, esperando enfim
O acordar para acordar, como quem cala o silêncio de mim
Sempre a escavar, a escavar, a escavar, a escavar nova
Sala.

Há sempre coisas que ninguém quer ver, não
Obstante a vida, o irremediável perder da razão
Seja o único parágrafo de uma Lei que Deus não decretou
Por impotência, abdicação, ignorância, desconhecimento de ser...

Quem somos? Quem és? Quem sou!

quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Alvo Relâmpago de Abrir Solidões

Não sei se é crime, mas somente faço versos
Quando estou escondido dos receios absurdos
Das palavras pueris, ou dos gestos perversos
Com que se enleiam gerações de narcisos surdos.

Sou um penitente. Uma dor mudada, apreendida
Feita do quase nada que me apagaste da vida.

Um dia foste, no outro já não estavas.
E quando naufraguei na solidão deixada
Vi como na brevidade das marés acostavas
Ao silêncio da promessa só por mim sonhada.

Eras o desencanto, um encontro adiado
Que no fundo do meu exíguo ser perdido
Se fez esperado. Porém, mal consentido
A transformar-me no dia antes do intolerado.

Contudo, sob a tempestade o raio brilhou
E ao trovejar ímpio e irritado da verdade
Deste-me a liberdade, de amar-te como sou!
Se Ainda Reparamos Aturamos

Conta-me o que sabes acerca de mim...
Gostava de saber. O que sabes ou vês
Quando me olhas do princípio ao fim
E ficas a dançar nos poemas que não lês.


Conta-me, por ao menos esta única vez
Quantos foram os olhares caídos no assim-
Assim, com que destruíste a vil altivez
Da arrogância e dor que havia em mim.

Eu sei que é difícil; conheço o tormento.
Mas não leves a mal por querer ser naquele tu
Aquilo que em toda a vida foste um só momento...

Conta-me; mas não contes apenas o sentido nu
Das palavras perdidas no (des)dizer dos dias,
Páginas de eu e tu; diz-me também o sorriso cru
Ao explodir no amanhã das infinitas alegrias!

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Secreto Apêndice de Recordar a Alma

Podia ser hilariante porém é quase óbvio por repetição
Analógico, mas às vezes torna-se absurdo senão trágico
Desenhar teus lábios, cabelos, rosto miúdo de mulher
Menina digital, sorriso pão da alma que o sonho requer
Apenas com a paleta ou lápis que me sobram das pupilas
Abertas, assombradas no espanto do arrebatamento ímpio.

Disseram-me que amanhã será o segundo dia do presente
E é possível, creio, haver algo inaudito nessa pítia predição
No desaforo, ingrato propósito de espera em cada esquina
De quem apenas quer ver-te surgir da multidão transeunte
A carteira de mão debaixo do braço, as compras comestíveis
Na outra, talvez um saco de plástico e dentro dele o lanche
Como se fossem adereços úteis e necessários à coreografia
Fatal condimento de quem atravessa o empedrado da rua...

Disseram-me isso; importa todavia registar neste momento
Que se me tivessem dito outra coisa, eu não a teria escrito,
Ou sequer a teria ouvido suficientemente claro, escutado
Posto em alerta verde sob o aspergido sentido dos afectos.

Não obstante cresceu dentro de mim esta fé em desacreditar
Da mesma forma que muitos acreditam e fiéis rendem culto
Eu me desoculto desacreditando não só no que não vejo, até
Isso eu quero, rir sem fugir de nada mas antes por prazer
De desvendar mistérios, olhar os enigmas como se o não fossem
Tão-só puzzles de reconstruir as tuas alvas faces, o soslaio
Num quadro fácil, de poucas peças, premissas maior e menor,
Conclusão e aventura e ousadia intuitiva, qualquer coisa assim
Numa moldura simples e directa ao ser perdido, perdição de mim
Cumprimento de destino em formato electrónico e design aprazível
Layout de quem se enxuga da solidão na janela do teu sorriso.

Embora as metáforas estejam a fermentar ainda nos cachos,
Muito antes de maduros e colhidos os frutos, até pisados
Liquefeitos a escorrerem-nos dos umbrais dos ombros, a boca
Vitral de dizer na fachada do rosto, equívoco desfraldado ao sol
Ao vento, à chuva, à voz, erguido como tocha de fogo olímpico
Num gesto, circuito integrado de integrar o verbo do teu andar
De quem pisa a morte, ou a tristeza dos dias ordinários, o tédio
O singular emolumento de quem compra vivenda na eternidade,
Um breve jardim antes da porta, sob o alpendre salomónico
Algumas notas musicais que se desprendem do labirinto de buxo,
Ruas e ruelas, becos e transversais, onde gatinham sobrinhos, filhos
Vizinhos chegados, vindo sabe-se lá de onde, a galáxia é pequena
Para caber-te toda no abraço em que tanto demoras a dar-me...
Sonhei-o debaixo da figueira onde dormiam mais de 001000 pardais
Arrumadinhos uns aos outros, quentes e protegidos e livres
De partir, mas preferindo ficar, ficar, ficar, tal como eu fico a ler
Até doer a hora da partida, úlcera na alma rósea de não ler mais!...

sábado, fevereiro 16, 2008

Até Ruir A Sede

Daqueles três pardais
Que comem as migalhas
Do teu sacudir de toalha,
Um há, a quem jamais
Perdoarei as igualhas
Da parte que na tarde lhe calha...

É um pior que todos, assim
Mais trigueiro no trajar,
Mais lampeiro no banquete;
Que está sempre a olhar
E faz tão pouco de mim
Que cantado vai pousar,
Na cadeira do bibliotecar
Como em qualquer ramalhete.

Dá-me ganas de o esganar...
Tirar-lhe a vida com ferrete,
Meter-lhe as tripas ao ar,
Chamar-lhe tão-só diabrete.

Sei que é grande canalha
E muito maior respondão;
É rara a tarde em que falha
Na espera de uma migalha
Do teu sorriso de pão...

Atrevido, arma confusão,
Nada está bem para ele,
Nada é brilho de ouro e mel
Como se a razão fosse só dele.
E até bloga que nem um cão
De sujo pêlo e tinha na pele.

Portanto, não estranhes o dia
Em que eu perder a calma
E lhe atirar com aquela fatia
Mais podre da minha alma!

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Sonho Antigo, Rio Aberto

Sabes quem nos comprou o silêncio a troco de uma palavra
Muda, a dor muda a lei, muda o corpo, muda a voz mundan(d)o
É adolescente esse querer ficar calado amuado, inundado de incerteza
No amor medido pelas vestes que nestes despes és outra
E estás – sabes?!... Eu não, nem ninguém mais
Muito menos tu e eu, e eu e tu do manual da Fonseca
Do amor, que o amor, meu amor, é o nu contra o nu
– Sabes?... Ou como escorrem os dias sem solução na amenidade
Do silêncio que se diz e não diz jogado como certeza fora
Uma pequena casca frutífera num olhar de viés, inseguro
– É ele! Tem que ser ele que procuro!... -- Eu? Não pode ser
Ainda ontem falámos, ainda soubemos que não tínhamos.
Esperar é uma tarefa de deuses chineses não judaicos como
Este pão que comemos, como esta sombra em que nos medimos.
Sabes eu ando sobre brasas que eu próprio assopro, incendeio
Quando chegares, chegas sem saber quem sou nem jamais terei
Outro estar é não esperar mas eu espero, porquê?
Porque quando esqueces a importância do tratamento,
Quando te descuidas e me tratas por tu
Ou nem reparas que igualmente o faço
Então viajamos em linha recta sem morse
Sem palavra silêncio, traço ponto traço.


Tu o dirás. Tu o explicarás. Tu exigirás perdão... Eu
Também não.

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Eco de silêncio seco


Ouço uma voz. Não é tua, isso dói
Rasga o peito acelera o receio o medo
Inquieta, desinquieta, desacerta e manieta
E corrói em segredo, apontado como um dedo
Ao pomar de rocha fria, que no coração se constrói

Cada qual sabe porquê eu sei de mim sei bem
Nada nas mãos, nada nas mangas, nada mesmo
Quando espero e tu não vens, sou ainda mais ninguém
Do que sempre fôra, fora o feito do peito frito em torresmo
A alma ao rubro de tanto doer, o sangue
Que mais espesso e grosso retarda o gesto langue:


Eis o silêncio. Eis o homem perdido – eis
A procura incansável de quem ferido
Se busca e se encontra sem ter crido,
O único plebeu desta república de reis!

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

SONETO DA NOVA ERA


Quando na linha aberta das mãos a voz
A palavra acto de infligir o verbo ser
É a circunstância circunstancial de nós
E os ombros antes vértices do gesto o dizer


Então, já descobrir é pouco ainda amanhã
Silêncio onde poluídas as intenções
De ruidar em estar no aqui é coisa vã
Como o agora parado das estações


Do ano, como do tempo, e neste duas só
Há: a de quando estás e és e a de quando
Vindo a caminho chegando sopras o pó
De ser em sendo pouco a pouco amando...


E esperado e dito e imaginado e feito
Luta por um lugar dentro do mesmo peito!...
DN azinho Estranho

1.

Já nos tempos antigos havia antiguidades
Casas cavernas repletas delas preciosas coisas
Que os homens mais prósperos protegiam cidades
Regalos jardins estátuas ídolos telas e lousas.


Já das antiguidades falam com’os antigos homens
Sendo rústicos e impuros amavam a beleza lida
No algo que a representar sabia dos símbolos as imagens
Cujo arrebatamento mais estragos e tempos roubava à vida.


Já das raridades que o tempo esquecendo consumou falam
Os sanscritos quotidianos decorativos nas lápides rupestres
Mas a vida passa a morte perdura mais quando os corpos calam
A fímbria germina nos astros interiores e rios silvestres.


Porque estas veias desaguam todas num oceano de saudade
E escrevem e desenham e esboçam e resumem milénios de ansiedade
Expectativa excitação orgasmo da semente cósmica explodida
Para inventarem só com quatro letras a maior das palavras: vida!


2.


Se julgas que não vou esperar por ti desengana-te que vou esperar
Por ti é sempre por quem espero até porque ninguém mais sabia
Que estar aqui era o quanto por ti unicamente esperar podia.


Tu havias de passar e então tudo floresceria
Enquanto fosses a passar,
E eu diria:
Que bom estares a chegar,
É que por tanto esperar
Eu esperei passares um dia.

sábado, fevereiro 09, 2008

OUVE QUERO DIZER-TE


Olha, ainda não disse tudo naquela tarde
De sábado, se ‘tás lembrada eu estava
No auditório central esse, enfim, teatro
Alarde de vaidades diaporamas ambientais
E tu vieste olhar compenetrado na subida
Degrau a degrau passaste e eu não soube
Porquê nem como dizer-te estou aqui ouve
Estou aqui – espero por ti – houve aqui
Hesitação não indiferença isso nunca nunca
(Os nomes são pessoas só pessoas nada mais)
Quero dizer: tu também estavas era tudo
Tudo quanto eu queria saber, sentir era isso
Era pedir ensina-me a tua terra outra, eu já estou
Esquecido de mim mas quero saber de novo o mar, o nevoeiro
As manhãs de pão quente, o fumo sobre o fumo se confunde
Matinal odor connosco a ver a ressaca da noite no despertar
Sabido dos galos que cantam à névoa dos valados os caniços
Das vinhas, das cepas, às folhas sobre a carpete de praga-má
Mas tão verde e amarela e acre vestindo o chão por amanhar
Há poesia nela como no caneco azul de abastecer o sulfatador
Como nos barretes negros de lã na cabeça dos jogadores de chinquilho
Como na descida sóbria à adega num domingo ébrio de ócio
Como o pudor das folhas das pereiras em fila protegendo o fruto
Do sol na praia o vento do grito da gaivota que fere a ilha
Do ser na indesculpável solidão dos postais ilustrados.


Ouve, eu ainda não disse tudo, espera mais um pouco
Que quero dizer-te... Senão fico hirto e seco e louco.
Estrela Polar

Teu olhar é o meu Ocidente mais puro
Ocaso no acaso de quem lê incluindo este Este
A Nordeste portanto peço-te dá-me um Oeste
Sempre verde escondido na bruma inseguro
Qual atlândida dum sonho novo ao Sul aberto
Que dentro de mim és o recanto do canto certo.


Há nele o esquisso esgarçado dos caniçais
Mas também há as flores duma acácia sumida
Como há o que não há em mim cujos vitrais
São maneiras, são fugas, são vidros ou cristais
Despedidos brilhos perpendiculares aos trilhos
Da vida
Essa gota de espelhos em que translúcido desmaio
E sou Abril e Fevereiro e Julho ou Maio.


Todo o ano até a constância dum facto é
Em si, em mim, em ti outro facto – de facto – até.
SEMENTE EM FLOR


É indissolúvel a esperança no espaço-
Quando dos teus lábios ao contemplar
O que os instantes são para o tempo o lugar
Que os arrebata e fixa em ritmo e compasso
De tu a seres eu e eu tanto nada de tão pouco
Como desejar-te ser viver e não te ter ficar louco.


É intransmissível a plenitude da palavra
Aberta como polpa suculenta a brotar riso
A gemer significados de polir doçura brava
Bebíveis em incontáveis tragos que a sede trava
Mas a ousadia cava e amanha e escalavra e desbrava
Onde o não te ter é ser sensato
E não obstante eu constato

Que prefiro perder o juízo.


Seja loucura, seja. Seja infinita demência
Seja ainda assim séria peleja
Onde não haja nem se veja

A mínima violência.


Mas enfim um encontrar-se a gente
No fundo da flor que canta e encanta
Porque entre esta loucura pronta e tanta
A pétala veludosa carmim da rosa
Além de flor
Amor
Também seja formosa
Semente.
Palavra.
Em teus lábios fulgente.
AS MÃOS


De quanta esperança florida aqui se faz crónica
És a minha semântica, a minha rima e a minha tónica.

Teus dedos são o decassílabo da minha inocência
Mas as mãos, essas, de tão pequenas e carinhosas
São uma estrofe cujos gestos podem ser glosas
A esta minha única demência:
Beijar a tua unha curta
Sobre um tecto de salva e murta.

As mãos que mais que minhas são tuas
Podem também ser as ruas
Duma cidade por moldar... E nelas eu creio
Como se fossem satélites, luas
Utopias de sonho e enleio
De sorrir e de acenar, de pedir e de criar
O seu próprio fim, princípio e meio.


Porque embora sendo o que são
E tu não gostes delas
Se as pousares sobre o coração
Verás como são audazes
Subtis e belas
Queridas pequenas capazes
De sobre o mundo abrir novas janelas.
ANISOSSILABISMO PRIMÁRIO



Tu és linda de verdade
E pousaste na minha alma como uma borboleta,
Portanto sê contra o efémero, a perenidade
E deposita em mim a crisálida do poeta.


Metamorfoseia a escuridão em doce claridade
E faz do meu amor um desejo que te respeita.