A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras

A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras
São o chão em chamas onde as lavras

sexta-feira, agosto 31, 2007

Cadinho de Hefesto

"Veneremos a memória do nosso antepassado
Imhotep, aquele que é protector dos escribas e
sábio entre os sábios, aquele que erigiu a mãe
das pirâmides em Saqqara, criando para o faraó
uma escada em direcção ao Céu, que ele inspire
os nossos pensamentos e os conduza pelo
estreito trilho da verdade
."
Christian Jacq, in A Rainha Sol

Já era quase noite neste dia ainda o mesmo dia
Quando comecei a escrever-te mas é de madrugada
Quando a aurora do odor do teu corpo se mistura
E dilui em brasa no perfume acidulado da rosa canina
E seu fumo evola e dança entre nós urgentes e nus
Que os ventres se requerem desesperados e sôfregos
E se fundem num só fogo de igual fragrância de sangue
Latejante sangue, febril e avassalador de esquecimento
Que cheira tão bem que até dói custoso de acreditar
As folhas a arderem estralejando desde a semente à raiz
Libertando fleumas de convergir na morrinha da manhã.

Eu confesso que também não sei quase nada das horas
Dos dias e do tempo apenas reconheço os minutos que sinto
Na intensidade dos sessenta segundos de pensar em ti em ti
Em ti no analógico desmedido até ferver cachoeiras de DNA
Furnas de lava ácida nucléica borbulhante nas lagoas cerebrais
Ou desmesuradas quedas de água interior a despencar abruptas
Precipícios líquidos do desejo com que te dissolves em mim.

Há outras coisas que quero igualmente dizer-te sem parar
Claro, mas que podem esperar ainda pelo sacrifício do verbo
Quando o degolarmos na pedra ou altar de todos os silêncios
E o seu latido agonizante raspar o arrepio e sulcar a alma
Com as pontas de diamante das estrelas que anavalham o medo
O rasgam de alto a baixo e esfaqueando-o como cristais cintilantes
Plantam nas telas do céu diamantinos e fulgentes soslaios
Esses teus com que dizes não à morte de nenhum animal
Flor, árvore, ideia, cor, som, gesto, expressão de agora ser
Porque tu preferes que profira a vida em linhas de horizontes
Paralelos sobre a paralelidade como socalcos de aproximação
Palavras sobre palavras a irromper no imo seio das veias
E pulsantes impulsionem as correntes águas a espraiarem-se
Até não podermos mais de tanto ruborizarmos no inconfessável
Vermelho desejo do tumescente segredo no beijo sequestrado.

Porque quando se é julgado por incendiário e ter ateado fogo
À floresta dos sonhos incondicionais e estes em labaredas
Te incendiarem o corpo no suplício da obsessiva possessão
E me possuíres em ti como um crime consumado no imo foro
Então poderei explicar sem as usuais contundências ilusórias
Da retórica dos remorsos e rebates dos desejos arrependidos
Que mergulhei na morte abraçado ao meteorito incandescente
Do teu beijo e atravessei-a toda num golpe de adaga imperial
Separando a eternidade em duas metades como fruto maduro
Cometa acutilante de unha felina a dizer a fresta que nos une.


Sem propriedade te pertenço enquanto lava de esculpir a voz

Porque na forja do grito o silêncio ferve à temperatura de nós!

sexta-feira, agosto 24, 2007

Sina lida


Quero a voz a cozinhar o asterisco
Do ontem no estendal da roupa lavada,
Que viver é um desenho imprevisto
Qual rabisco de uma nova tabuada.

Nasço do ter sede de água corrente
A ungir-me de serena normalidade,
Que estou cansado de ser diferente
Na orla esquecida da humanidade.

Saído da forja incandescente do tempo
Moldo sobre a bigorna os nossos fados,
Caminho aos tropeções de cego
Apalpando as esquinas da lenda,
Tentando equilibrar-me na memória
Dos dias que foram ditos, eis-me
Assim perante o destino
Ainda que nele mal acredite,
Que por deixar de ser menino
Serei Hefesto, e tu... – Afrodite!

quinta-feira, agosto 23, 2007

Mudar em mudança


Tudo mudou, amigos...
Já do espanto se renasce
Como Fénix noutras cinzas
Que nas figueiras dobram os figos
E os sinos maduros nos campanários;
Gemem nas noras os alcatruzes
Sangram as árvores no azinhal
E morrem as aves nos calvários.

Tudo mudou, amigos...
Mesmo o bater da bisca lambida
O estacionar detrás da casa,
Que a perdiz se voa ferida
Se denuncia no bater da asa.

Tudo mudou, amigos...
Incluindo a imagem de nós,
Que se temos ou tivermos futuro
Tão-só e somente o devemos
Ao feito derrubado muro
De já não termos egrégios avós!
Entre Costas


De costas viradas não te vejo
Mas sei onde estás e sinto-te real...
São como sentidas estrelas em cortejo
Que me marcam fulgentes, por sinal
Quase de línguas incandescentes
Com que se diz o sonho (ou o virtual)
E me dedilham de vertigem e solfejo
Num abismo de perder a noção de bem...
Ou de mal.


Serenas pausas entre seres afastados
Acontecem espaços por acontecer também,
Que se em metros forem bem contados
Nunca bastarão para afastar ninguém.


Ou silêncios, que igualmente distanciam
Porque distas são as costas que se avistam
Entre os ritmos que a estudar cadenciam
A chegada dos conceitos que nos pautam.


O navegar, o surgir significante com significado
Que estar de costas é estar virado
Ter por dentro o que é de dentro
E por fora, o mesmo lado!


Entre costas há o mar, oceanos de lava pura
Arquipélagos de literatura, intrigas, enredos,
Vidas, condenações por amor, perdições e segredos
Poetas que fizeram da existência outra aventura.


Há os destinos, sem chegada nem partida
Sinas que se cumpriram sem sair daqui,
Vidas tumultuosas que engrossaram a vida
Miríades de tragédias que sentado vivi.


São diferentes, estas bandeiras desfraldadas
Entre nós, redes tão parecidas às pesqueiras
Que de nó em nós emalham as seteiras
De onde vigiamos as simples madrugadas
Que hão-de descobrir o caminho de nós
Tendo nas ondas outras estradas
De cabelos (ser)penteadas a sós
Pelos dentes das paixões despenteadas.


Porque dessas somos apenas as mós
Que separam o pó das palavras soletradas
Costas com costas, combatendo o que vier de fora
Que as sentidas sentinelas só sabem sabendo
A sentida soletração que em nós nos demora...


Costas com costas, do anoitecendo
À aurora, que o futuro é um ontem tecendo
A teia que somos nas palavras do agora!

quarta-feira, agosto 22, 2007

Cagar no campo

Rejubilo quando a minha merda
Cheira intensamente a merda sã
E não a esse tipo de merda vã,
Que de cheiro a merda pouco tem
E nem sequer fumega de manhã.

Se for pecado, que venha a penitência...
Pronto estou a reconhecer a minha falta.
Que no cagar também houve sapiência,
Luta e glória e prestígio e beleza e ordem
Como o atesta qualquer cruzado navegante
Que sobre as vestes a cruz de Malta tem.

É épico. É viril. É patriótico. É pujante
A inspiração da merda que nos faz bem;
É orgulho nacional, é ver o horizonte
A espairecer rés à escovinha do restolho
Resfolgando fumegante como um bisonte
Fazendo pontaria à criação com um só olho.

Mas sobretudo é fímbria lusa, pura
Esta coisa de acocorar para ver Além...
Ter por pólos a aurora da frescura
E orar gemendo num «hhhãããnnn» por mais ninguém!