A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras

A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras
São o chão em chamas onde as lavras

sábado, dezembro 25, 2021

A BOCA DO TEMPO

 

A BOCA DO TEMPO



A grande solidão do mundo

Abateu-se sobre mim, ser ínfimo e moribundo

Que habita paredes-meias com o tempo frio

E o silêncio verde-escuro das agulhas dos pinheiros,

Para perguntar de vez «Quem mais pode: o rio

Que leva as águas dos choros derradeiros

Ou a certeza matemática do calendário

Quando solta mais uma folha ao vento

E exige que o consultes ao contrário

Da última prà primeira, até perderes o alento

Das páginas a que te amparaste a vida inteira?»


E eu respondi: «Nem um, nem a outra;

Que quem mais pode, cá como no Além,

Molda as solidões com ligeireza pronta,

E faz com elas castelos de cristal diamantino

Onde nunca entrará mais nada nem ninguém

Que não tenha construído também o seu destino.»


Então, a grande solidão do mundo

Três vezes rugiu como um mostrengo três vezes

Lançou seu bafo ácido, grosso e imundo

Sobre quanto havia e não havia entre nós, e disse

Resfolgando em cada folha virada, mês a mês:

«Aqui, já nada sou, já nada faço.»

E o tempo sem fim, enfim de vez, abriu-se

Engolindo-a para assim fechar-se, de novo,

E retomar a sua própria forma na forma dum ovo

Onde os vestígios de boca não passam dum traço.


Joaquim Maria Castanho


sábado, dezembro 04, 2021

Juliette Binoche - La Bohème

É (JÁ) TÃO QUASE NOITE


 

É JÁ TÃO QUASE NOITE


O valor dos dias e das gentes

Está em serem diferentes.


É tão meio-dia quase noite

Quase pouca luz a findar,

Mas que o verbo nos acoite

Enquant’a nossa voz soar.

Que os dias como as gentes

É por serem iguais que serão

O fulcro da luz e da razão...

– E mais sãos se diferentes!


Joaquim Maria Castanho