A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras

A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras
São o chão em chamas onde as lavras

quarta-feira, fevereiro 27, 2019

EM INTIMIDADE






INTIMIDADE

O meu segredo, é transformação
Do ímpar em par, da noite em dia,
Do indivíduo em cidadão –
E da palavra em poesia.

Joaquim Maria Castanho

BORBOLETEIO


   



BORBOLETEIO

Digo-me com o verbo na mão...
Reescrevo-te os lhos, faces
Na companhia dessa solidão
Onde se desenvolvem enlaces.

Tens a beleza simples e grata
Que nos dias ensolarados,
Deixa de ser só uma lagarta
Pra nascer em sonhos alados
De coloridos trajes a rigor,
Onde os corpos, por desejados
Volteiam nas asas do amor...

Então, dada por cumprida a missão
A sua vida pode expirar,
Que quem a lagartas deu atenção
Sempre sonhos tem a borboletear.

Joaquim Maria Castanho

segunda-feira, fevereiro 18, 2019

DESTINO DE LAGARTA





O DESTINO DAS LAGARTAS

Pré-borboletas em trânsito lagartas são
E seguem em fila pelas azinhagas,
Hão de voar qualquer dia, ou talvez não
À parte os encontros que venham a ter...

Se com naturezas funestas e aziagas
Não se lhe adivinha bom fim nem razão
Já que as vão matar ou somente comer!

Joaquim Maria Castanho   

domingo, fevereiro 17, 2019

A CULPA DO PONTO DE VISTA DO AUTOR







A AUTORIA DA CULPA

Arrumaram-na a um canto
Como uma caixa vazia
De camisas, de sapatos
Como qualquer cartão inútil
No sótão da tarde fria.
Calaram-na, por enquanto
Arrumaram o seu canto.
E todos fomos cúmplices.
E todos somos suspeitos.
Mas só eu sou o culpado!

Joaquim Maria Castanho

DIGAMOS A LIQUIDEZ DA PALAVRA






DIGAMOS A LIQUIDEZ DA PALAVRA

Que toda a vida é apenas uma palavra líquida
Incluindo a minha, digamos sangue, digamos
Digamos água corrente bebível a sôfregos tragos
Digamos regato que se esconde nas areias quentes e desérticas
Entre os poros da tua pele, subterfúgio de porcelanas
Amanhecidos marfins ante as portas de jade.

Digamos o escoar clepsídrico nos ponteiros da sinonímia
Literatura de sofreguir o momento sob a urgência (geo)métrica
Instante que vaza sobre o cálice do corpo a mágica sede.

Digamos imediatez no abismo estreito do abraço apertado
Lúdica entrega ao acaso descendente do ocaso na planície
Mergulho no outro lado exímia investidura leda no lá do lá
Ritmo animal que pulsa e se contorce na revulsão do ser
Sonho desnudo na boca dos olhos que gritam a saudade.

Digamos salto de corça na clareira das folhas impressas
Gesto, esgar, repente, gargalhada de arrancar ao movediço chão
O pavimento polido e xadrez interior da palavra tudo.

Digamos sílex acutilante, digamos recorte no espaço
Digamos teu nome
sem ansiedade mas repetido alento,
Digamos desfraldada vela na crista da onda à proa do vento
Digamos murmúrio de dizer beijando o beijo em teu regaço.

Joaquim Maria Castanho

A ACROBACIA DA BRISA






BRISA ACROBÁTICA

Junto às muralhas gastas (a esfarelarem-se) a teenager faz o pino:
Os calcanhares encostados a pique na parede de pedra sulcada
E lhe desce tanto o vestido garrido coxas abaixo desmaiado
Até se lhe ancorar nos púbicos sovacos, a barra sobre a testa
Os cabelos diluindo-se na relva entrelinhada e mansa e fresca
Onde os gatos cabriolam de retouça com os corvos de Mármara.
Haverá mínimo crime em ousar o gesto num rompante acrobático?
Que mergulho cometeu seu corpo que tão-só rompeu o infinito
Azul violeta, turquesa doce invertida no mundo de cabeça pra baixo
Na sublime perversão dos sonhos escritos em futuro de ter sido?
Mas serena a língua te explora agora tentando recompor as vestes
Como se fosses desbravada ainda não as curvas descendentes ao verbo
Ainda os pés, os seios
O pescoço, o ventre
As coxas, a boca
A voz
O triângulo da intenção mátria
A serra, o monte-de-Vénus
A planície, a seiva
A ânsia cega de falar.
Serena a língua interpreta
Penetra e inquieta o corpo percorre
O teu país de gritar paixão
Navegar entre continentes incontida
A sombra que tece e invade e em chama analisa
A brisa explode contigo – sim, ela também!!

Joaquim Maria Castanho
Com Foto de Elie Andrade

FLORES DO BEM





AS FLORES DO BEM


Surgiram no quintal
Sem ninguém esperar
Click!!! – quatro flores
Que ao invés do mal
Na florest’às cores
Pareciam brincar
Só a ser felizes.
As duas pequenas
Ao colo das grandes
(Que seriam fadas
Pla certa), serenas
Já inventavam sons,
Assim concertadas,
Uns maus, outros bons,
Graves ou gritantes,
Imensos, petizes,
Com/sem deslizes
No modesto falar
Língua das flores
Da florest’às cores.


Não sei que diziam
Pela ecolalia…
Não fui iniciado
Com a melodia
Do entendimento,
Ond’elas faziam
O doutoramento.
Mas tenho olhado
Para tantas flores
Da florest’às cores,
Qu’é afiançado
Nesta sinfonia
O fazer dobrado
O que ninguém requer…
Plo que desconfio
Estavam a dizer
«Vivo do arrepio,
Faça o que fizer.»



Coisa de poetas
Que não me engana,
Chamado d’alertas
Pela sua cigana…
Qu’é isso que cantam
Pla melancolia
Na ecolalia
Que o sonho requer,
Quand’assim andam
Pla florest’às cores
Com seus amores
A brincar felizes…
Flores e petizes!

Joaquim Maria Castanho

quarta-feira, fevereiro 13, 2019

DISCURSO SOBRE A ESTÉTICA


 



DISCURSO SOBRE A ESTÉTICA

Os sonhos também sonham a gente...
E não é novidade nenhuma;
Sonham a frio e sonham a quente,
Em frescas sestas sobre caruma.
Às tardes, no areal à beira-mar
A ver o pôr do sol sobre as águas
Ou a gritar à lua, e a fintar
Ansiedades, medos e mágoas.

Os sonhos sonham isto e aquilo.
Cavalgam em cavalos-marinhos.
Têm arados puxados por esquilo.
Nas cabeças ocas fazem ninhos.

Os sonhos, sonham – é tão certeza
Que a dúvida, se nasce, morre
Logo, e em vista disto só discorre
Se o puder fazer sobre a beleza.


Joaquim Maria Castanho


PAR DE BANHO






PAR DE BANHO


Tenho que aprender o teu corpo
Para que tu também aprendas o meu
E a nossa alma deixe de ser um sopro
Numa teia em que ela própria se entreteceu,
E seja enfim a fusão de duas almas numa...


E seja grito de prazer, de sonho e de espuma!


Joaquim Maria Castanho




O FADO DO LAR






O FADO DO LAR

Por amor duma caixeira
Sou um homem destroçado,
Pois ela foi a primeira
Por quem vivo em cuidado.


«Puxo coisa, meto o dedo,
Passo código digital;
Faço-o com tanto segredo
Que até ele acha normal.»


Ajudo prà reciclagem
Ando de sacola na mão,
Facilito na contagem
Pagando sempre em cartão.


«Abro o saco, meto-o dentro,
Dou desconto e destaco;
Ponho a barra no centro
Peso fruta apalpo o naco.»


Sou um bom homem já se vê
Passeio o cão, leio o jornal,
E não me meto em sarilhos;
Com o preço certo na TV
Eu dou a papa nos filhos.


«Dou-lhe instrução e carta,
Deixo-o empurrar carrinhos
Desse modelo virginal
Com qu’este povo acarta
Nossa alma plos caminhos.»

Quand’há bicha na caixa
Olho com viés profundo,
Pio a ver se se despacha
A mais linda do mundo.


«Peço prò laço em baixa
Aperto o nó num segundo,
E ind’assim ele me acha
A mais linda do mundo.»

A mais linda do mundo
A mais linda do mundo
A mais linda do mundo
A mais linda do mundo


Joaquim Maria Castanho

terça-feira, fevereiro 05, 2019

POENTE DESCENDENTE





POENTE DESCENDENTE

Tu és todas as soluções
Possíveis e imaginárias
Por cujos testes e padrões
Florescem pessoas várias...
E na diferença premente
Em que esbarram ilusões,
Cresces sobre a luz diária
Pondo-a tua dependente.  

Não há homens nem mulheres
Nem pressupostos da idade,
Que se fizeres o que quiseres
Só encontrarás humanidade. 

Joaquim Maria Castanho

domingo, fevereiro 03, 2019

POEMA DE DOMINGO






POEMA DOMINICAL

Pela orla da luz a pérola da voz
Redesenha os contornos, as matizes
Onde toda a gente e cada um de nós
Se liberta dos seus nós e deslizes...
Mas ninguém conta por quantos sofreu
Embora nunca esqueça porque o fez;
Uns batem no peito e gritam «não fui eu!»
Outros, a quem nasceu alguma sensatez
Rebatem, debatem-se com credos vários
E, só pra serem dos demais contrários,
Mergulham nas fétidas águas do Ganges
E castos, misericordiosos e langues
Erguem olhos prò céu e murmuram: TALVEZ.

Joaquim Maria Castanho


sábado, fevereiro 02, 2019

ÀS JANELAS DO OLHAR

  



ÀS JANELAS DO OLHAR

O meu amor é flor gentil
Cujos lábios são de jasmim,
Com pétalas de beijos mil
Se afloram já sobre mim
Têm a sofreguidão macia
Suave, do mel e do cetim,
E a doçura da poesia
Que há nos amores sem fim.

É duma loucura tão sã
Que arrepia só de vê-la...
Se à tarde, fica manhã
Impossível esquecê-la,
Que todo o dia penso nela
Com um fulgor pertinaz
Tão gentil, mas também bela
Que seus olhos são a janela
Onde pendurado me traz.

Joaquim Maria Castanho

sexta-feira, fevereiro 01, 2019

O SOPRO DA CULPA


  



A CULPA É DO VENTO

Empurro o sol contra o vento
Para lhe secar de vez a voz,
Mas descobre-me o intento
E eis que é o vento a empurrar-nos a nós.

De nada nos desculpa agora
Acabou-se-lhe, enfim, a paciência;
E quando sopra para fora
Atinge-nos em cheio na consciência.

A mim, sei bem porquê, já os demais...
Já aos demais desconheço as razões.
A tantos disse serem causas globais
Que poucos lhe reparam nas alterações!

Joaquim Maria Castanho