A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras

A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras
São o chão em chamas onde as lavras

domingo, janeiro 31, 2016

JARDIM DE ESTROFES




JARDIM DE ESTROFES

Desta escola vejo cidade
A ver-me para criá-la em mim, 
Qualquer coisa que em verdade
Me faz dela, como me fez ela assim; 
Porquanto, enfim, todo o crescer
É um olhar que se cultiva, e tem,
Entre berço e versos de bem-querer
Às estrofes que sobem plo jardim... 
Como rimas de plural efeito 
– Íntimo colorido no peito 
Feito recreio só de querer bem – 
Num olhar que se cultiva... e tem! 

Joaquim Castanho


CALIGRAFIA INTEMPORAL




CALIGRAFIA INTEMPORAL 

Quanto nos dizem as sombras que expiram
As metades que se não completam 
As tentativas que nunca foram intentadas
As vozes que morreram ocas nas gargantas? 

Mas entre a estepe e os horizontes
Adormecem sempre surpreendidos 
Os gestos esquecidos de si mesmos.

Joaquim Castanho

TRIGO E ESTROFE DO IMEDIATO PÃO




TRIGO E ESTROFE DO IMEDIATO PÃO

Aproximo os passos da extensão de mim
Até ao sem fim desses desbotados traços
Com que o verbo s'esmorona, por tal, assim
Quase amazona em seus mesmos laços
E afetos despertos pelas frestas lisas
Das cinzas e brisas destas lonjuras acesas... 

Nada concreto, porém, sobre nossas mesas
Ainda por mastigar a estrofe inaudita 
Pede meças às liças expressas, surpresas
Em que nem sequer ela própria acredita. 

Joaquim Castanho

SOB O SOL DA TARDE DOMINGUEIRA




SOB O SOL DA TARDE DOMINGUEIRA

Conheço eu um banco de jardim
Que teve a felicidade de ter
Em si sentada, sentida assim- 
Assim, uma linda musa a escrever... 
Esse banco, s'eu mandasse Senhor
Com todo o respeito tido ainda
Pla eternidade e divino, podia ser
Lembrado com'um hino ao puro amor, 
Da mais sublime vida, se linda
Nos formata o destino e seu teor. 

Só dizê-lo, retratá-la é nada
Por ser da alma apenas brando grito; 
Que a paixão se nasce apaixonada 
Nunca escuta nada do que lhe dito. 

Joaquim Castanho 

sábado, janeiro 30, 2016

NA PLURALIDADE, O VERBO




NA PLURALIDADE, O VERBO

O futuro é um poema que caminha
Em busca de sentido no verde chão
Há horas avulsas, e nas frondes ilusão
Dos significantes onde predomina
A luz e a sombra, o ficar, a espera
O verão, o inverno, a cor, a primavera
Como se fossem do tempo a própria mão
A desenhar passos e voos de Quimera... 

Nuncamente nos diremos doutro modo
Se nos supusermos verbo conjugável,
Que cada parte em si também é todo
Logo parte, plos dois todos responsável. 

Joaquim Castanho  
(Ilustração: foto de José Carvalho)

ÀS VEZES




Às vezes, nossa vida tem
Esta pequena maravilha, 
Que é a gente gostar da mãe
Sem deixar de amar a filha...

Joaquim Castanho 


A ARTE É AMAR




A ARTE É AMAR

Caprichinho bom, doce intento
Adoçando o tom de cada momento,
Dança cabelo melaço e fala
Nesse zelo que só sua voz exala... 
E me diz que sentir é predicado
Que todo o sujeito por bem sabe
Que ao sentir se faz desejado
Num finitivo que nunca acabe. 

Assim meu sentir no teu termina
Que é limite sem fim à vista,
Que a mulher é eterna menina
No profundo amor dum artista. 

Joaquim Castanho 
(Ilustração: Princesas Disney)

PORTAGEM PARA A IMENSIDÃO




PORTAGEM PARA A IMENSIDÃO

Se nessa silhueta horizontal
Que do céu nos eclode coletiva
A alma espelha, ao verbo faz plural, 
À planície anima em produtiva, 
Ou é lar de cegonhas brancas, quintal
Dos deuses sob uma bruma esquiva... 
Então, para além do bem e do mal
Em luz única altaneira e altiva.

Porto lhe chamaram, abrigo, dia
Noite de iluminado coração; 
Casa de muito pão, vinho e alegria, 
Como de aconchego sem ilusão. 
E que nos percorre sendo ela a via
Dess'alegria e porta prà imensidão!

Joaquim Castanho
(Ilustração: foto de Elie Andrade)

QUE FLOR É ESSA?




QUE FLOR É ESSA?

Gloriosa a forma
Ímpar o conhecimento
Na velha linha adorna
O ponto, o cruzamento
Cuja estirpe e nobreza
Exibe ainda beleza... 
Dizem dela que é fugaz,
Dizem ser inconstante, 
Dizem que nada nos traz
Além d'um só instante... 

E assim seja acatada - 
O mais nem é ser, sequer!-
Se por sorrir for lembrada
Então, certeza é mulher!  

Joaquim Castanho

PROSA ÓRFICA




PROSA ÓRFICA

É o nosso instinto quem conforma a vida
E de pronto responde às ameaças... 
Quem põe de parte a própria partida, 
Lhe dobra dorso, alerta pràs trapaças
E armadilhas que são dela também
O ponto G de quem as tomou por filhas. 

Porque êxtase sem ilusão virtuosa
Sempre o instinto afiançou e disse,
Que em verdade só existe a prosa
Desde que a poesia soltou a crendice.

Joaquim Castanho

NA MASSA DOS DIAS




NA MASSA DOS DIAS

Me conduz a vida aos recintos
Por que sinto maiores afeições, 
Sabendo, porém, serem distintos
Dentro de dúbias inclinações... 
Nuns, reparam e vasculham tudo; 
Noutros, soam ecos de outrora.
Mas, em ambos, é sempre crer mudo 
De bebê-los, que neles me demora. 

Demora, recorda, adianta sentir
Como recheio de doce filhós, 
Que o melhor ser está nesse devir
Feito em ponto plas maças de nós. 

Joaquim Castanho

quarta-feira, janeiro 13, 2016

LEGES HENRICI PRIMI




O pacto vence a lei e o amor o julgamento
(Pactum legem vincit et amor iudicium)

in LEGES HENRICI PRIMI

OLHAR RESISTENTE




OLHAR RESISTENTE

Ao tempo lança seu olhar o novo ano
Brotando de quantos já foram passados,
Crendo que disso não venha grande dano
Pròs dias futuros, esperanças e cuidados. 
A mim, que sou pedra inerte e disforme, 
Mais nada contenta superlativamente
Senão esse crescer íntimo de quem dorme
Despertando constante e diariamente. 
A mansidão é meu grito, e a liberdade
Aquela estrada que em duplo sentido
Permite escolher direção e sensibilidade, 
E formatar que seremos plo que tivermos sido. 

Joaquim Castanho

SEGREDO ABSOLUTO




SEGREDO ABSOLUTO

Porque essas coisas ditas
Nos intervalos dos dizeres
São joias, doces pepitas
A brilhar sob os quereres. 
São esgares, entardeceres; 
São mágicos nus de ninfitas
Que se banham descuidadas
Nas marés e praias recatadas. 

Mas são também, por isso, enfim
O espaço-quando d'alegria, 
Porta aberta para os eus em mim
A esconderem-te da luz do dia. 

Joaquim Castanho

DIDÁTICA DA ODES E PASTORELAS



DIDÁTICA DA ODES E PASTORELAS 

Cumprir a lei é amar o semelhante
O distante, que os outros somos nós, 
Em todo o tempo, a qualquer instante
Como os que sofrem, até ficarem sós... 
Que os dias se fazem amplos na água
Rumorejante dos regatos cristalinos, 
Onde, sobre remoinhos à flor da mágoa, 
Somos odes, pastorelas, velhos hinos. 

E o meu sonho se espelha também nelas: 
Cruza estepes, alaga pomares e valados; 
Que, assim, ao escrever-se em pandas velas, 
É que se açoita a escuridão e meus cuidados. 

Joaquim Castanho

UNIÃO DE FACTO






UNIÃO DE FACTO 

Residência insegura, o espaço
Grão-limite de quandos no agora
É o corpo insaciado, sepultura 

Da alma vigente, fauna e flora
E sustentação deste continente,
Que, sendo oceano, é mar de gente.

Porque mesmo se contido nos ocorre
E lhe sobre tudo o que de falta tem,
Se nasce e cresce e procria e morre
Em mariposa um pra viver outrem...
Então assim é o amor que nos habita
Desde que habitado por nós também,
Que somos empresa em comandita(*)
No dar pra receber só o que nos faz bem.

Joaquim Castanho


*COMANDITA - Forma de sociedade (comercial) em que um ou mais sócios entram com o capital, mas sem tomar parte da sua gestão.

PARECER ESPECIALISTA




PARECER ESPECIALISTA

Do que se sabe, a mentira
Percorre numa travessia, 
Quanto o saber nos tira
Da suposta sabedoria.
E não alheia ao pecado
Nem pressa de julgamento,
Dá por saber o condenado
Plo rigor do pensamento.
Que os filtros das verdades
Exteriores à consciência,
São bisturis de vontades,
Palpites d'experiência...

Portanto, me diz o tino
Ser muito daquilo sabido
Só fugas ao domínio
Da crítica e do sentido.

Joaquim Castanho

SOB O FOCO NOS DESFOCAMOS



SOB O FOCO NOS DESFOCAMOS 

A luz, meu amor, é apenas uma ilusão
Que à eternidade do breu roubou sono
E defraudou o sonho pele inquietação
Da vigília cega, surda ou sem dono; 
Que simplifica e nos dá outro modo
De ver a parte como se fosse um todo. 

É a subsunção pura que, assim, reclama
Por hipérboles teus traços particulares, 
Quando o meu olhar ao teu corpo ama
E mostra ante a multidão dos olhares... 

Porque é, portanto, que só por ele sigo
Se até de mim mesmo esconder me quero
Nessa verdade iluminada que comigo
Te espera com a ânsia com que te espero. 

Joaquim Castanho

COM SARDINHAS SE CONDUTA




COM SARDINHAS SE CONDUTA

Anda pla vida o mundo baralhado
Em virtude dos assares da sardinha, 
Fazendo com que cada puxe prò seu lado
A brasa que há de pô-la loura e pingadinha
Pois esquece-se que, entre a fatia e o tição, 
O que se perde somente suja a laje do lar, 
Porquanto aquele unto que cai ao chão
Nem às labaredas sequer dá viço e medrar. 

Mas o direito é a ciência da opinião(*)
Reciprocamente reconhecida e normativa, 
Que faz com que um pão seja mesmo um pão
Independentemente da "fome" que o cultiva. 

J Maria Castanho

(*) OPINIÃO - Juízo(**) que se profere explicitamente acerca de um objeto, uma conduta, uma pessoa, uma situação, um valor, um grupo, um estado, uma oportunidade, um género, um artefato, uma obra, uma criação, etc., e que faz com que esta seja sempre consciente. 

(**) JUÍZO -  Decisão de um tribunal, profissional especialista, pessoa abalizada e competente, grupo social ou comunidade para a resolução de uma dúvida, de um caso, uma dificuldade, uma ocorrência, particular ou coletiva.

GOTA A GOTA SOO



GOTA A GOTA SOO 

Acuidado registo, o verso
Em sons pingando da língua, 
Caiu «ping-ping» controverso
E de conteúdos à míngua; 
Soltou-se assim retinente,
Cruzou as linhas do grito, 
E fez-se algo emergente 
Como outro eco do dito. 

Voz com sotaque de mundo, 
Estatura de gota de céu, 
Anda na vida sem fundo
Desnudando-a do seu véu. 

Joaquim Castanho

ESCADA ÍNGREME



ESCADA ÍNGREME 

(Sobre tela, um óleo de rapariga subindo a escadaria de entrada da Escola Secundária, a fim de ir fazer exames.)

Nos degraus das escadas os olhos postos
Sobem lestos e azulíneos através dos rostos
Cínzeos de bronze e pedra lacerados cedo.
Tão de repente demasiados dos sustos
Há órbitas sôfregas em ausentes custos
E rangem os granitos sob os pés do medo.


Fitam-se ângulos rasantes à íngreme escalada
Horizontes tangentes chocando estrelas no vértice
Só de humano nos esgares perpendiculares da escada.
Raios disparam-se em traços de ícones formas em hélice
Ferindo plásticas portas encimando telas
Feitas das lonas tostadas nos mastros das velas.

Fendem-se os gestos no cinzento dos gritos!
Gemem lágrimas dos ângulos aflitos!
Gladiam-se os exteriores em espólia conquista.
Esvoaçam tecidos frémitos adolescentes; crista
De onda em plúmbeo orgasmo de atritos!...

Joaquim Castanho

PERDA DE SENTIDO




PERDA DE SENTIDO


Meu caminho do meio
Tem restos de não nevado, 
Que por ser de nada cheio
Até parecia despejado.
A alma lhe brota assim
Em brilho de plena lua, 
Sobre a rosa e o jasmim
Postos às bermas da rua.

Meu caminho é relato
Duma epopeia ímpar; 
Conselhos que não acato
Por não os poder escutar.

Joaquim Castanho

SÓ UM D POR dETALHE



SÓ UM D POR dETALHE 


Pode a lei ser muito diferente
Se vista do direito ou Direito, 
Que é maiúscula nesse ente
Venha do interesse ou conceito; 
Mas a mim, que leigo sou e sem jeito, 
Para essas diferenças de raíz, 
Creio que haja tanta sabedoria
Nas doutas maiúsculas dum juiz
Como nos provérbios do dia-a-dia.

As primeiras, podem ser estudadas, 
Como as segundas apenas sentidas; 
Porém na prova, noves fora, só nadas
Que nas justas só há causas perdidas. 

Joaquim Castanho