A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras

A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras
São o chão em chamas onde as lavras

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Opa de Egito

Hoje, precisamente hoje,
Convido-te para dançar.
Na minha casa, fora de lama.
Traz o xaile, bagagem de quem foge
E o corpo pronto pra gritar
O grito de quem por ti clama.

Hoje, precisamente hoje.

Mais ainda: não te esqueças
Que na linda de um o outro se diz,
Sem limites mas sem promessas,
Que a rosa também tem raiz
Além de espinhos, cor, cheiro, forma
Espécie de sonho sem lei nem norma
Entre as pálpebras do guerreiro monge.

Hoje, precisamente, hoje
Convido-te a entrar pela fresta
De onde ser é ser, o corpo festa
Do perto que encarna o longe,
Com as malhas da humana gesta
Do aqui e agora, precisamente hoje...

Mas se vieres, vem como quem foge!

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Nicho de Apelo


Eleita descendente em sufrágios milenares
És a fresta entre as nuvens deste Dezembro,
Que vogam para o Norte em Vapores do Sul
Transmigram a água, transbordam o corpo
Digamos dele a alma à falta melhor termo.
Aparte algum Acaso nos embutidos em Álvaro de
Campos e campos que calcorreio caçador de rubis
É procurando-te até nas esmeraldas que te encontro
Em ti a safira dos olhos fulminando-me a ousadia
Quando entro no quarto crescente do teu sorriso
Que vem aspergir-me de luz, clarificar-me os dias
Exigir-me temperança e tranquilidade nos afagos,
Inclusive naqueles inventados e assim por dizer
Que se ditos invocam a realização, nomear é isso
Chamamento a que acorre o significado mais premente
Aquele que é irrevogável em qualquer significante
Por mais insignificante que seja, fonema menor
Morfema viciado na morfina da fala até à pronúncia
Dialecto de quem arrasta consigo o verbo donde eclodiu.

Nascido o teu verbo como nasceram todos os demais
Eis que nenhum ouço, mas se acaso murmuras e cicias
Ou com olhar aventas a emoção profunda das fantasias,

A mim que o escuto e amplio, até me parece que gritais!

quarta-feira, dezembro 05, 2007

A Gravata do Escriba
(Da mesa de Café, junto à janela)

Sentado no lancil, há cinco mil anos que o escriba ali está
O papiro sobre a prancheta, esta apoiada sobre os joelhos,
Os dedos sujos de tinta; tem ao lado a argila dos conselhos
E as folhas são mais de trinta, dos colhidos que não deu.
Portanto, é sabido, que para qualquer outra esquina que vá
Nada diferente disso fará, e nunca, por isso, alcançará o céu.

Alucinados os que sonham, querendo ou sem querer
Pois deles será o mundo que quiserem, se o quiserem ver.

Perco-me subitamente das visões próximas
Imediata é outra vez a outra cidade
E numa outra rua outra rapariga passa.

Que grande vantagem me assiste poder recordá-la
Quando afinal é a primeira vez que comigo se cruza
E nem parecida é com quantas outras me cruzei...
Mesmo aquelas que me puseram as bainhas da alma
À mostra, os alinhavos de querer e o seu avesso.
Sei de fonte segura que nunca antes a vi nem contactei
No entanto, recordo-a quando passa por mim
O olhar esquecido do presente, os gestos soltos
O andar desobrigado ao caminho, a fronte despida
De murais, faixas e slogans necessários à afirmação do ser.
Dirige-se ao invés do retrógrado para se não prender
Ao que decerto nunca foi e sabe todas as falácias das fotos
Onde jamais figurou como manequim cadenciado.
Escolhe das montras o espelhado reflexo da decoração
E não a ansiada posse da peça avulsa que se oferece.
Tem o destino traçado mas considera que esse destino
Se quer ser o destino dela, então também ele tem que fazer
Qualquer coisa definitiva e derradeira para que ela o assuma
Lhe seja fiel, a convença, se disponha a protagonizá-lo.
Ninguém lucra com o facto de ela por ali ter passado
Mas ao menos escrevem-se alguns versos, sinais pontuados
Placas informativas, correcções ao trânsito vulgar das vírgulas.

Sei que nunca a vi antes porque reconheço a falta que me fez
O significado ausente que de repente a sua realidade detonou,
O como foi possível nunca tal nos ter acontecido, se mês
A mês, dia a dia, ano a ano, da esquina onde agora estou
A tenho procurado com eléctrico fulgor enlouquecido!

Talvez não tenha procurado bem... Se calhar, distraído
Com as demais que ali passaram, ou outro motivo qualquer
Não a vira a ela mas, em seu lugar, apenas outra mulher...
Até pode ter sido, que as montras ali paradas, a olharam
E em si mesmas se viram, que ela nem as mirara sequer.
Porque ela ao passar, bem vincara a pegada da passagem
Vincando bem que o real só é real, se também for miragem!

Ia dizendo, que ao menos escrevem-se versos... Mal menor
À luz de quem passa se da passada ao final passado é,
Que quando se passa para ficar, é ficando que muda a cor
O matiz, a paleta, o sabor das torradas, o aroma do café
Seja durante a tarde, durante a noite ou seja pela manhã,
Que a alma quando arde, nos andará sempre enrolada
Ao pescoço, assim, bem dobrada, como um cachecol de lã.

terça-feira, dezembro 04, 2007

Terra: A Nave Especial


Foi inconsistente a vossa acção de liquidar o eu.
Quando roubaram o passado, devolveram o futuro
E se me abandonaram aqui, me recupero agora,
Como se tudo fosse tão assim à tona das palavras
Noemas plásticos feitos lagos interiores, margens
Insurrectas de escorropichar o imo, espremer o suco
Vida que nos banha por dentro em voz sustenida
E me define o existir como uma metáfora líquida
Corrente e impetuosa e cristalina a deitar por fora.

Por tal gostava de discutir contigo todos os pontos
Alíneas, artigos e anexos da nossa comum acção,
Pois são eles as balizas do golo, farol de evolução
Referência qualificativa do fruto inerente nos gomos
Intrínseca a cada um da qualidade que todos somos.
Negociar o próximo passo, a estratégia conveniente
Para a revolução exigível de sermos apenas gente.

Que diz que sim, que diz que não e mesmo talvez
Quando não só precisa nem teme o pior como revés
Conduta de esquecer o caminho que lhe são os pés
Ordenados minguados que não chegam ao fim do mês,
Braços cruzados, diplomas armados, bocas de arnês.

Acabar pois com a dicotomia entre o mim e o outro
Por sabermos que também um dia seremos apenas pó
Entre o muito pó que também um dia foi apenas corpo.
Saber que não há diferença entre realidade e percepção,
Entre facto e valor, entre masculino e feminino, entre dó
E compaixão, entre riqueza e pobreza, entre realização
E fantasia, entre objectividade e subjectividade, além
Daquela que é visível entre o assim, o mas e o também.

Consentimento na adversidade, adversivo tom de anuir
Por saber que a humanidade é tão-só mais uma parcela
Dessa enorme passarela que a Terra é, também para ela
Parte dessa eternidade que a vida insiste em construir!

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Acaso

No ocaso da rua
A acaso da rapariga.
Mas não, não é aquela.

A outra era de outra rua
No acaso de outro ocaso
Em outra cidade por acaso
E ao caso todos éramos outros.


Ouço Vozes de Ver-te

Fala-me de ti...
Procura o meu espaço no teu passo
E não te importes com a cor da bandeira
Na maneira desfraldada,
No mastro da nossa armada.

Fala-me de ti.
Diz o silêncio quando apagadas são
As cintilantes esperanças do teu olhar
Quando mão na mão e entrelaçados dedos
Ouvimos os segredos que conta a terra ao mar.

Fala-me de ti
Quando os limites da procura são a fronteira
Do corpo não apagues a janela, a seteira
O disparo da palavra conquistada
Que isso de acertar à primeira
É apenas sorte de quem não quis nada.

Fala-me de ti.
Procuro o meu tempo, procuro a procura,
Mas eles falam-me de ti
E eu sei que não será loucura!

sexta-feira, novembro 30, 2007

Respirar em Sustenido

É difícil não te abordar
Com o sucumbido olhar desmedido
Dos jograis,
Rendido até doer
De não poder suportar mais.

É difícil corresponder com a voz imediata
Estar na posse do constante em partir
Bilhete de saída e contudo ficar quedo;
É difícil esconder as mãos dos olhos
Ficar atento à próxima esquina
E esquecer o futuro que se aproxima.

É difícil corrigir o leito dos rios
Rasgar janelas nas muralhas da manhã
Dizer "bom dia, Sol", segar a luz
Pretendendo ter feito apenas nada
Ou nada ter dito e gerar sismos de lã
Simples abalos nos corações vazios.

É difícil a calma sorridente do teu esgar
O semicerrado das pálpebras no prazer
O olhar que vicia em querer adivinhar
Sem desejar ser o segredo que estão a esconder,
Sem desejar ser a chave dos vermelhos ladrilhos
Em que os ombros te descansam e entalhas
Os seios se suspeitam sob as riscadas malhas
O pescoço resguarda a voz para novos trilhos.

É difícil não querer soltar os cabelos
Libertá-los da rubra e negra bandelette,
Moldá-los em abandonados novelos
Sobre o quadriculado chão que os repete.

É difícil não quedar-me ceifado
Sob o sorriso ao sol expelido,
Sem querer ser o raio iluminado
Que asperge o rosto de vítreo sentido.

É difícil tão-só respirar, com receio
De apagar com a surpresa o enleio
A mágica valsa entre a luz e o parêntesis lido
Para te adornar em onda, o pulsar sustenido.
Crime Perfeito

Arrumaram-me a um canto
Como uma caixa vazia
De camisas, de sapatos
Como qualquer cartão inútil
No sótão da tarde fria.

Calaram-me, por enquanto
Arrumaram o meu canto.

E todos fomos cúmplices.
E todos somos suspeitos.
Mas só eu sou o culpado!

quinta-feira, novembro 29, 2007

Lúcido Recreio

A lógica é uma doença contagiante
Na lucidez opaca da realidade,
Transmitindo transparência, transitando
De boca em boca, de mãos em mãos
Mesmo quando abertas, os bolsos vazios
O sonho à flor da fala, o dito instante
No ontem de amanhã vertido,
Os dias sem adiamento da verdade
Que a vida sem ti nunca terá sentido
Se ao partires quebro sem querer,
Se quando partes fico igualmente partido.

Portanto escolhe. Abre os taipais
E diz quanto é ainda possível fazer
Para libertar o crescendo no crescer
No lugar da espera o prosperar mais.

Sinceramente, é esse o melhor poema que te faço...
Diabrura mansa que se aconchega no teu regaço
Gata que se desenrola e espreguiça o ventre,
Condomínio de quem a querer se quer bem
Teu espaço de correr livre entre mais ninguém!

quarta-feira, novembro 28, 2007

Farol de Vermelho Incandescente

"Rosa, oh contradição pura! Prazer de sermos
O sonho de ninguém entre tantas pálpebras."

Rainer Maria Rilke


Viver é sonhar-te os olhos em mim,
No fogo de soletrar-te poro a poro.
Porque nasce desse beijo sem fim
A ternura, em que me dou e devoro.


Quando partes, se me parte o ser
E daquilo que era só metade me fica,
Mas sendo metade é dobrado o doer
Que no amor, o dividir multiplica.


Fogo Amigo

Se quiseres, o meu poema pode arder...
Pode eclodir dele o vulcão de lava pura,
E ser aquela gota, rubi de brasa a tecer
A luz que desbrava a alma, quando escura.


O Riso de Arlequim


Loucura é como estar presente
Quando nada mais nos consente
E assim, de repente, voamos
Para lá do lá em que estamos.

Loucura é estar aqui e saber
Quebrar a rotina que recomeça
Quando à ânsia de ainda viver
Nos equilibramos na voz que tropeça.

E faz com que a mão
Seja parte entre sim e não,
Entre não e sim,
Sobre o rio sem fim
Fogo de líquida intenção
Cruzando os limites de mim
Assim, no cuidado da confissão
De fingir sentir o que deveras sinta.

Opala de várias cores, mágica cera
Molde dos dedos borrados de tinta,
Bochechas lambuzadas, farripas na testa
Com o mundo a pregar-nos a finta
Dos Outonos que são Primavera
Lengalenga da Serra no "era não-era"
Do era uma vez uma festa

De festejo sorriso que em ti se apresta!

sexta-feira, novembro 23, 2007

Regra de Trânsito

Se conduzires, dominando os sentidos, conduz com vagar
Divaga na luz rubra e verde colorida que apenas apaga
Os restos soltos, os mastros íngremes que sobram do mar
Nos braços que aos remos as galés das ondas o sonho traga
Engula, preso em linhas, redes, algas, sargaços de sonhar.

Se conduzires, atira o verbo ao ar, a voz às brisas, ao vento
Deixa-a rolar o ventre, dançar como bola de fogo no céu azul
E admite que a cada curva surge o caminho, aquele momento
De nos cruzarmos com as aves dos estuários, os vermes do paul,
Os pântanos, ossos de dinossauros, fogos fátuos de tágide taful.

Se conduzires – quem não conduz? –, fá-lo de olhos abertos
E condiz com o que disseres, porque faças aquilo que fizeres
O que jamais poderás fazer, sem atender aos sinais concretos
Puros, evidentemente evidentes, é gerar mais e maiores desertos.
Se conduzires, cuidado, que os filhos dos homens estão despertos!

terça-feira, novembro 13, 2007

Minerva doutorada


Quando te conheci, tinhas um sol em cada mão.
De um lado, emanava a luz do conhecido e alcançado;
Do outro, as réstias cintilantes da ousadia e do tentado.
E o sorriso transparecido de quem traz na língua o coração.

Mas ao toque de vésperas, que antecede a dor e a escuridão
Se então na noite a Lua nem Vénus se vislumbram sob o breu,
Puseste sobre as níveas faces as máscaras coloridas da ilusão
E ficaste repartida entre o que deveras eras e te imaginava eu...

Há quem diga, que acreditas ser esse o teu principal condão:
Acabar com todos os sonhos e demais esperanças infinitas
Só para reteres as pepitas e temeres perdê-las ao abrir a mão.

No fundo, queres subir ao céu embora penses, faças e repitas
Tudo bento e com requinte igual aos que no inferno estão
Fizeram, pensaram, disseram, e calando pagaram por salvação!

sábado, novembro 10, 2007

Mulher-a-Dias

É de Verão, o Novembro mês.
E as formigas, foram-me ao açúcar...
Não lhe gabo o feito:
Foram só uma ou três
Mas morreram a eito.

Sem a ajuda de São Vicente,
Nem rezas a Santa Bárbara Bendita.
Apenas com o detergente
Al Gore de crer em nada
Como quem em muito acredita.

Era só delas a peregrinação...
Em fila, felizes, alegres e contentes
Nas carreiras de forte combustão.
Mas chegou Fátima, entrementes
E passou-lhe com o esfregão!
Da Conjugação no (Com)Participativo

Ler, traduzir este gesto de gestas por outros gestos
Saudar a crescente e infinita legião de mortos,
Socorrer-me do fogo no vulcão labiríntico do ser
E estar sempre pronto que nem recruta disciplinado...

Sofrer a plástica das paisagens e montes alentejanos,
Passar os dedos pelos índices dos desesperos alheios,
Ouvir ruídos arrastados nas catacumbas correntes fluviais
Deste quadro como se ele fosse fosso de castelos medievais...

Ansiar que a lebre se não atravesse na vereda ao cavalo,
Zunir como jacto que besoura e debica a crosta terrestre
E querer chegar mais depressa ao local do crime proposto
Sem anexar os membros e vísceras de meu íntimo clã...

Escutar amenas confissões ao lusco-fusco enamorado
Por saber que nem todos os amores são lícitos e puros
Mesmo quando três rimas os adocicam de laranjeira
E labaredas flores de incêndio na floresta ao lado...

Para quê? Quem fez o eterno favor desta imagética
Se os deuses não nos exigiram adulterar-lhe o segredo
Nem pediram a outros deuses seu concílio de inconciliação?
Todavia, cúmplices até na voz dos gestos desta gesta

A brisa contorna-nos, se retidos, e acaricia-nos o olhar!

sexta-feira, novembro 09, 2007

Capital de Risco

À noite, esvaziada de sentido, a cidade
É uma discoteca, algumas tascas, pouco mais...
Tem o soluço dos arrependidos da idade
E a solidão dos sem-família sazonais.

A euforia do álcool e da erva clandestina,
Alguém que vomita no ondeado da calçada
Da marrafa, que já não é de ouro aquela mina,
Nem a obra mealheiro prà pepita arquitectada.

Se foi sonho de engenheiro, hoje é quase nada
Que se basta em Onan muito bem celebrada
Pelas históricas muralhas e beatos florais...

Que da gesta, se houver grata sinceridade
De Alacer apenas lhe resta essa saudade

Em ser Porto inseguro de comércio – e capitais!

quinta-feira, novembro 08, 2007

Discreta por Sinistro Decreto

Sabe-se muito pouco acerca dela... Sim, consta que, acasos...
Às vezes aparece. Os olhos pestanejam-lhe como bonecas,
Tipo semáforos de intermitente amarelo para filtrar ocasos
Ou flertar entre cervejas e até dançar com as surrobecas...

Mas... Que mais dela se pode dizer? Se tem família? Que faz
Ninguém confirma. E se do talento lhe assiste alguma rima
Ou pendor para explorar conceitos... Apenas se sabe que traz
Nesgas de mistério, visgos onde caem os carentes e atreitos.

Rumores, quiçá rara palavra comedida entre sonoras batidas
Silêncios de house tantam entre gestos de ritmo robotizado,
Máquina de curtir o momento sem momento futuro adivinhado...

Que se basta em ser indiferente ou nada mostrar e menos sentir
Que o inferno são os outros e só trazem à vida dobradas lidas
Para quem viver é vedar, fugir, correr para que jamais o permitir
Viver seja o misturar a sua, sendo nada, com as demais vidas!

quarta-feira, novembro 07, 2007

Sáfico Conluio


Não regateei o preço que impuseste ao meu silêncio.
Nunca discuto quando me compras apenas obedeço
E pago-te sentindo infinito prazer pelo prazer que sentes
Se me dominas e manietas, que é ao penetrar-te que me penetras.
Sou a tua prostituta de mão, aquela mulher de falo erecto
Que se deixa possuir e sucumbe fatalmente ao teu desejo
E frui imensa e docemente a fruição que de mim tens,
Me rendo quando te rendes, te prendo quando me prendes
Me solto quando te soltas, me venho quando te vens!

quarta-feira, outubro 31, 2007

A épica audiência

A traição pedida a perder-se nos olhos vítreos
A flor aberta dos lábios a dizer que não dizem
A dispersão calada das vontades que se apagam
A promíscua expectativa infligida a quem espera
Este querer sem querer que receia denunciar-se
Que mais que tudo teme o medo de não conseguir
E abrevia o actor para um acto de peça de facto.

De partida, de jogada na rasteira apenas equilibrada
Condomínio comum aos que menos esperam nada.

Podia crer-se na crueldade do não haver ali ninguém
Para quem ouvir fosse importante mesmo o banal
O corriqueiro da conversa fiada para boi dormir
A saudação de circunstância, o fazer tempo, sala
Despejar de lugares comuns entre os comuns da vala
Gente que aguarda morrer sem sacrifício, apagar-se
Esvair-se como se esvai uma já vazia e esvaída mala.

Podia ainda contar-se uma anedota de brejeira índole
Onde aplauso e riso fácil demonstrassem à audiência dócil
Quão sagaz é a fala em que pega a deixa que desleixa
E nos resguarda para que nada nem ninguém nos mexa
Naquilo que melhor escondido e por vergonha escondemos
E damos por não havido se demais o não virem, nem vemos.

Que somos uma aldeia que onera e publicita a pior ideia
Vinda de fora, se à superficialidade ela nos incendeia
Nas passarelles o voyeurismo às vedetas do parque snobe
Das afectações de estilo e esqueletos que se pavoneiam
Em transparências entrapadas e cerimoniais asas de grilo.

Aldeia de aldeões prontos e prestáveis ao que for labrego
Tiver a artística e suma qualidade do pregar de um prego
Desde que ele não tenha utilidade qualquer, e nenhuma
Seja a moldura que daí se dependura para admirar a bruma.
Ao arrotar empanturrado de enchidos, tortulhos e cerveja
Para que ninguém veja quem somos e, se vir... calado esteja!

terça-feira, outubro 30, 2007

Testamento

É provável... Mas digam o que disserem
Não há ninguém de quem queira, enfim
Na vida despedir-me:

Quando eu morrer, rasguem os meus poemas.
Todos! Que não quero e abomino a imortalidade.
Nem lágrimas de lástima, que das duras penas
Já me bastam as quantas em vida sofri.

Quando eu morrer, digam tão-só que morri.
Nem mais! Não quero da incerteza, a dor
Chega-me saber que foi num dia assim.

Quando eu morrer, seja a que horas for
Se algum amigo ainda por aí houver,
Então, que beba um copo por mim!


Aliteração climática


Eu persisto. Tu persistes. Ela ou ele persiste.
Nós persistimos, mas ainda não chegamos.
Falta como que o detonar dessa imagem inaudita
(Re)mata-nos a voz na metáfora de existir.

Artesianos olhos pedem queda embora impossível
Como a descrição da água em que se mergulha
Ao nela mergulhar ondulantes sedas exigem frota
Mas os dedos já longe de partir deixam-na escoar-se
Soltos de silêncio nas ravinas da sólida ansiedade
Metálicos sorrisos de rasgar a sombra, em cutelo
Ecos interiores das grutas abrigadas deste ocaso
Não outro mas o de hoje, dia das quimeras mil
Feito quadro pintado no verniz equidistante de Abril.

Onde se reflectem, sem qualquer ordem no dispor,
Flashs outonais de um resto de fogo no ocidente
Da cor de um frio próximo que se quer quente!


Chapéu Preto


Fechado o círculo das aparições difíceis,
Hoje Catarina não vai à fonte.
A guarda, concentra-se no passado ido
E próximos ambos em seu jeito de grito
Afloram a corrente das sedes que matam
A água da angústia nas gargantas secas dos segadores
Na opinião fútil do ondeado mas oblíquo oceano amarelo
Que resta restolho sob a brisa das lágrimas.

Mortal, mortal, somente a semente do esquecimento
Se dito o sino ditado que às lebres quando lado a lado
Correm o sexo não lho sabe ninguém,
Como na luta por uma vida melhor também.

O que é o homem? O que é a mulher? Tanto chapéu
Que se levanta e acena negro ao luto azul do céu...

Havia uma fotografia lá na casa da minha casa
Da casa que tinha uma casa dentro da casa
Que tinha outra casa dentro da casa com que se casa,
E nessa fotografia o olhar dentro de um olhar vindo de dentro
Como da alma da casa quando no olhar da casa entro,
Que sorria, como sorri qualquer vitória
Com ironia, num claro oxímoro da História
Feita um dia memória que se apaga de repente
De onde se escolhe a escória atirando fora gente.

Foi como ver as espigas levantarem-se do oceano.
Foi como ouvir o murmúrio do Zeca baladeiro.
Foi notar no preto chapéu do mar o mar de chapéus,
A baloiçar como naus numa dança moura de véus,
Lanternas de vermelho mágico incandescente
Partindo águas fora lançando luz de pobre braseiro
Noutras margens, noutros portos, noutros feltros
Apagando em suma a bruma dos caminhos neutros
Derramados pela queda palavrosa do tinteiro
Sobre a folha branca das letras caladas, a voz tremente
A recitar que outros tantos nadas são apenas gente.

Coisas de abrir e fechar, latas de atirar fora,
Que enquanto navegar for igualmente esperar
Dificilmente a experiência da vida nos melhora!

Quadros de olhares na demora de outros olhares
À espera que o olhar diga o que só a alma implora,
Que quem deveras quer, grita sem esperas, não chora
!


Alcatruz de Esmeraldas


Havia um mundo dentro do mundo
E dentro desse mundo um jardim
E dentro desse jardim um canteiro
E dentro desse canteiro uma planta
E no cimo dessa planta uma flor
E dentro dessa flor um nome
E dentro desse nome um espelho
E dentro desse espelho o teu rosto.

Primeiro, parecia um sonho.
De seguida, uma urgência.
Agora é toda a vida
Numa salutar demência.

Do fim, ninguém o saberá,
Incluindo eu e tu somos acaso
Euclase que do ouro o brilho dá,
Cristal de lágrima onde me desfaço
E ouso, em carne viva até ao osso!

sábado, outubro 27, 2007

O Argonauta do Sonho


Que ninguém pergunte quem sou eu
Nem como se chama aquilo que me anima,
Que sou apenas mais um marinheiro do céu
Que é o nosso mar de cima.


Ponto de rima na liça lida
Do amanhã de manhã,
Na manhã do amanhã
Moeda de troca perdida,
Perdição de não ser hoje
Que é quase de repente vida
Quanto mais de repente nos foge.


E se cedo cedi à sede de seda ser ao nu
Em teu desejo de seiva viva, alva e sã
Caminho côdea de cuidar o corpo cru,
Foi porque na roca fiei as nuvens de lã
Os novelos de enleio entre o mim e o tu,
Porquanto do sinal sugerido na sina leda
Cada estrela é por assim uma vereda
Diamante de brilho no lusco-manto violeta e malva
A ditar o sonho como única luz que deveras salva.


Que o saber é pois pura e realmente isso
Um cintilar do sentido sentir, um almejo
A incendiar a palha seca, o frágil chamiço
No fogo de ver-te, mesmo quando te não vejo!

terça-feira, outubro 16, 2007

Adeus


Tu que viajas no gesto indeciso
De quem parte em busca do amanhã,
Crê que o mais do mundo é o teu sorriso
Que faz com que a vida se não torne vã.

Porque eu, que já não estou aqui
Sou aquele que contigo vai (e fica);
Sou aquele que contigo também parti
E só partido ama e se multiplica.

Porque esperar é ficar, no encanto
De quanto se quer – muito, sempre... e tanto!




Casca de Nós



Há dentro de cada um, assim o outro mundo
Repleto de outros outros, diferentes, iguais...
E que ao reconhecê-lo repovoam o ser profundo
Comum a todos os seres humanos, comuns mortais.

Por isso, na concha do que somos
A pérola do que seremos mais,
Nasce, robustece, brilha do que fomos
Em reflexos vivos, cintilações de puros cristais.

Sem esgares moralistas de bem e de mal,
Mas com os olhos vítreos vertidos no sentido plural!




De Norte em Ursula (K. LeGuin)


Liberdade que posta estás no corpo da alma sem dono
E adornas o grito das flores nas ravinas da esperança,
Eu te imploro sem receios nem máscaras de adorno
Que leves meu beijo de sonho e pétalas de criança
Àquela que em desejo apenas meu crer a luz alcança,
Como se fora um dia na noite a aurora do futuro aberto,
E diz-lhe que, às vezes, o mais longe dos longes, é o perto!




Entre Utopia e Inquietação


Onde estou?
Que fizeram à caixa negra
Do meu voo?
Se tudo é norma, excepção e regra
Então porque sou
O sem-sentido perdido,
O esquecido de mim
Que caminha desmedido
Numa estrada sem fim?

As arestas dos sonhos me ferem
Me raspam a carne viva da alma...
Que enquanto fizermos o que querem
Nunca dentro de nós teremos calma.

Sonhar é isso mesmo:
Fritar o ser, pô-lo como torresmo
Ressequido a que tiraram todo o sumo,
Estaladiço, quebrado por consumo
A consumir-se estralejante e esmo.

Onde estou?
Que fizeram à caixa negra
Do meu voo?
Se aquela que era
Da era grega
Já não sou,
Então porque vou
No grito que ecoou
Como pura regra que agrega
Quem de si partiu e partindo-se voou
E se uniu até que soou?

Sonhar é isso:
Perder qualquer perdão...
Hipotecar o esboço, o esquisso,
Pondo a sinédoque ao seu serviço,
Trocando o todo pelo quinhão.

É a simples máscara da Utopia
A inventar que somos originais
Na multidão dos comuns do dia a dia,
Quando afinal só na ilusão somos mais
Que em tudo o resto somos iguais

Num mundo real e despido de fantasia!

terça-feira, outubro 09, 2007

Grito escutado gritando



Não... Não quero mais ser pintor
De sonhos
Quero parte activa em teu corpo
Inacabado estou e ele está
Estará
Estaremos sempre se sós
Pusermos aqui
Os fantasmas... Sim os fantasmas morrem
Quando abrimos a boca
Na boca das coxas delirantes e trementes
Exultantes de sôfrego espasmo
Do sonhado, ostra quente
Grito gritado e fulgente.

Não esqueças nunca quem somos
Somos a génese do mito
E gritamos o estertor convulso
De inventar o abismo no corpo desejado
Que deseja a revulsão de ser inventado
Na tumescência viva dos lábios que o percorrem
E desvendam
Os olhos vendados pelo sonho
Persigo cada poro da tua cútis como um cego
Rendido escravo que implora a morte
Que se imola no fogo que nos arde.

Escuta-me escorrente de auroras liquefeitas
Abraços que doem parar
Descomandado de mim
Apenas sei o caminho da tua vontade
Que regresso a casa sempre que me chamas
Em chamas perdido por perder-me.

Não, já não sei ser pintor de teu corpo
Mas antes tinta lava que lhe pertence
Se lhe submete possesso e desenfreado
Cavalo incandescente que nos transporta
Para lá da planície derretendo o vermelho barro.

Sucumbo. Sucumbo e tombo varrido
Pelo sopro do teu grito no incêndio da voz
Que me estraçalha a ânfora dos restos ancestrais
O vaso que guarda o princípio do tempo
Que o tempo infindo dos séculos foi pouco para apagar
Brasa que acende o fogo da eternidade nos teus olhos
Mergulhados nos meus até perder-me de quem sou
Esquecido de ser no assim explodido do fim renascido.

Quero a brutalidade de não querer nada
Além de entregar-me todo ao teu querer
O suplício húmido de teu sofreguido verbo
Que me conjuga e envolve e manieta e diz
A pulsar a selvagem imensidão do para lá do lá.

Não, não quero mais ser o pintor
De teu corpo na inconquista apagado,
Que prefiro ser dele o que lhe brota em amor
No gesto inequívoco de um conquistador
Conquistado.

Sei que enquanto houver esperança na esperança,
Enquanto houver um sei que sabes que sei qualquer,
Enquanto a fé gerar a magia do adorador adorado,
O sedutor seduzido, nunca deixarás de ser a criança
Retouça irreverente que adiou ser gente em ser mulher.

Não, não quero mais ter-te inerte ao fim do dia,
Como coisa sem vontade, sem desejo, que crê haver mal
Em possuir o beijo da ousadia, em plantar plural
Onde apenas na aridez do género um existia.


Quero-te aqui por imposição a querer-me
Que vencer-te é um saber que me venci
Tendo-me a querer-te quando me queres dentro de ti.

Quero-te aqui, como tu apenas sabes estar
A inventar o mundo por inventar
Proferindo o grito infinito de nascer,
Que o futuro é um presente a gritar
Que amanhã também quer e pode viver.

Quero-te aqui possível no impossível imenso
Batalhando o corpo até raiar o nome, no grito
De rasgar como raio o nevoeiro denso
Partindo muro sobre muro e chegar ao infinito.

A escrever teu gesto, na areia do tempo
No mar da lua
Na pressa da rua
Na multidão do ar
No átimo do poder
No ouro do olhar
No fito de vencer
No rito de viver
No possuir sem crer
Querendo para ter
Em aqui e agora
Sem sempre nem nunca
Num hoje vida fora.

Quero-te para te querer
Como quem tem para crer
E ao ter crê que tem
Um ser por ser teu também
Sendo os dois de ninguém!

Mãos nas mãos, grito no grito
Como corpo no corpo possuído,
Que a salvação é estar aflito
E no gritar do outro ser ouvido!

quinta-feira, outubro 04, 2007

Nascimento de Vénus


O silêncio desperta, a noite calada avança...
No fundo, no íntimo de cada um
A força irrefutável de estar presente: só

Apenas gesto, silhueta que se apaga ao cair
Morrão de cinza entre dedos que se esquecem,
Olhar perdido entre as nuvens e a planície
Andorinha em voo que cruza a moldura da janela
«Vhuuummm!!...» de carro que passa na estrada
A esconder-se no silêncio que fica depois.

O catarro do vizinho no subir das escadas
Recorda que as convulsões do corpo de vãs
Somente têm a indiferença que lhe votamos;
Resfolegante o prédio como um paquiderme
Cansado exala os odores do jantar prestes.

O indicativo do telejornal apaga a ausência
A campainha do terceiro andar besoura e retine
Uma formiga de asa deambula no peitoril da janela.
Batem os saltos de alguém que passeia o cão
Sem pressa num compasso de espera incerta.

Mas do alto desta quietude de borracha fria
Que raspa e desvanece as impressões do dia,
Silenciado nos ecos da memória de ninguém,
Do escurecer nasce a estrela que antes não via
Lembrado-me que quem se não dá, nunca se tem!

sábado, setembro 29, 2007

Mito do Eterno Retorno

Retomo o amor. Um passo atrás – ou à frente –, um gesto rápido, um olhar de viés. Percorro o mesmo mundo que tu: todos os mares são masculinos, e toda a terra é feminina. Pacífico, Vermelho, Índico, Atlântico, Mediterrâneo, Negro, Egeu – esses sou eu. Tu és Europa, Ásia, Oceania, América, África. Sou água, tu és terra. Fizemos um acordo há mais de 50 000 anos – lembras-te?... Andávamos nós nas cavernas: éramos dois seres que caminhavam em sentido convexo, trazendo cada um seu lobo/a enjaulados nas grades do tórax, um animal impulsivo que constantemente se nos atirava às costelas, nos rasgava as entranhas com suas unhas de fogo, e se acaso nos encontrávamos, estacando frente a frente, saltavam, quais feras de lascívia felina, copulavam a nossos pés, enquanto nós ficávamos estáticos, como se nada estivesse a acontecer-nos; depois, voltavam a entrar nas suas (nossas) jaulas e partíamos, sem que tampouco nos houvéssemos tocado... Lembras-te? – de nos não deixarmos ferir pela redundância do pó, do esquecimento, da cinza ou do fogo. Desse contrato nasceram cidades, leis e telas, algumas dulcissimamente cruéis, e marés.
E fomos tudo. Tudo!
Agora, eis-nos resumidos ao átomo ebuliente e abúlico da infinita espiral...
Voltemos atrás: retomemos o amor.

***** ***** *****


Penso numa criança. Tem a idade das flores primaveris, e os gestos simples do vaguear por aí. Usa as mãos como se fossem olhos, e trauteia sílabas sem nexo de uma canção de jazz. Conta os dedos pelos dias e anda sempre, sempre, sempre, sempre. Já sabe dizer verdade, e às vezes deita-se no colo do nome, que nem estivesse no convés de alguma nau, para viajar à tona do real, e quer haja luar, breu, bonança ou tempestade, os gestos mantêm a expressão do vaguear por aí. Quando se chateia, sopra o sol e adormece. É a única altura em que me é permitido aproximar-me dela... Ela não me pode ver, porque ainda não crê que há morte, necessidade, luta, poder, ironia, drama, tragédia, ciência, trabalho, dinheiro, sabedoria, liberdade, igualdade, segurança, álcool, tabaco, história, ciência, arte, quotidiano e matemática. Por isso, enquanto dorme, fio perto dela, quedo, silencioso, e a observá-la – digo, bebê-la. Se casualmente mexe ou suspira, inquieto-me, sobressalto-me. Se noto que vai despertar, afasto-me sem ruidar.
Ontem, estava ela a dormir, mexeu-se, o tronco em revulsão, os braços erguidos, e balbuciou:
– A... MO... TE...
Pensei em ti. Achei que era magia, e que ela adivinhava o pensamento alheio. Então, afastei-me, não fosse ela acordar...

quinta-feira, setembro 27, 2007

Lançamento germinal


Vê. É o Verão saudoso da Primavera,
Um Outono de "ainda não"
Enleado na teia dos (a)braços da quimera;
Na invenção da sinestesia salutar
Caos dessa sinfonia de cor sobre a terra
Ocupando os (es)pa(ç)ssos de amar.


É uma forma oval e morena.
É um odor a Algarve serrano.
É um ritmo de esteva no desengano
Do vento que agita a silhueta pequena
Da gestora em fim de curso (e ano).


E sobre ela a névoa descai
Da incerteza no futuro presente.
Tremem-lhe as folhas onde a brisa vai
Derrubar ao chão a sua semente.
Gota de orvalho que mareja os olhos
Irriga as faces com a água dos sonhos.


Abraço teu rosto, meto-o peito adentro
Para te guardar, na certeza de quem gosto
Há-de ser semente a germinar
Num celeiro em que só eu entro!


Quero-me chão de pousio inocente
Onde nunca avele pelo frio
Nem lhe queime o estio
Teu jeito simples de lutar – e ser gente.
Sustenido verbo a soletrar mansinho
O patrício cicio que sustenta meu ninho.


Meu ínfimo lar, pensamento rimado
De poeta sem ânsia de muito ser
A não ser este desejo de dentro de si ter
Teu ser em mim, no coração marcado.
Para te poder rever
Sempre que saudades tiver
De quem por mais desejei ser desejado.


Janela virada para o sul da brisa calma
Por onde entrará a certeza esperança,
Que ser adulto é abrir, e entregar a alma
À capacidade de amar que nem criança!

quarta-feira, setembro 26, 2007

Soneto da Abelhinha

Na atmosfera matinal e resplandecente
Deambulava com seu zumbido constante,
Uma abelha cor de ouro frio, cortante,
Mas de límpido bater de asas, transparente.

Voava livre, pura, sensata, mas de repente
Avistou no campo flor de cor berrante.
Então, sem deixar morrer minuto, instante
Desceu do astral reino, tendo em mente
Sugar-lhe o onírico pólen, de perlas melado
Em repasto para o seu sempre insatisfeito
Desejo de voar-lhe, em pirueta, dentro do peito.

Enfim, nas pétalas jungidas, em abraço rodeado
O açúcar silvestre em líquido mel transformou,
Até ficar cheia. Depois... – depois voou!...
Mito da Conjugação Conseguinte

Para além de ti e de mim
Dos sonhos que não fomos
Dos gritos que não soubemos murmurar
Há um mundo esfarrapado de lata-dor-morte.
Para além de ti e de mim
Há o baile de más/caras e papéis
Há a guerra e paz dos locais públicos e cafés.

Mas, muito para além, de ti e de mim,
Das coisas, das cruzes e da sorte
Há o verbo nós
... A palavra –
Eu-nós somos
Tu-nós queremos
Ela/Ele-nós podemos
Nós-nós fazemos
Vós-nós temos
Elas/Eles-nós vamos – infinitamente
Conjugada nas mãos do sangue que nos corre livremente.

Mãos dadas porque dados nos demos
Não nos vendemos nem nos trocámos
E, então, assim tomados, conseguimos!

terça-feira, setembro 25, 2007

Diapausa poética (obrigatória)

Beijei-te como se beija tudo de madrugada.
Com esperança. Com a esperança intuitiva, crida
Fé, e o determinismo arreigado das gentes da terra.

Foste-me cara. Portanto autoridade no assunto dos corpos
Que se entrelaçam dependurados da certeza e do erro
Como cachos de ignorância madura no Setembro vindimado
Preconceito a preconceito. Mas tive que abandonar-te
Perder o meu amor de juventude pintado em verde tolhido.

Agora sei que o teu caminho não é o meu caminho quando
Caminho e expectativas nunca serão as mesmas em nós
Tudo é contrário desde a lógica ao processamento mental.

Descobri que a autocrítica está em cada um dos meus passos
Vacilante é este saber conjectural que me ultrapassa
Em que os erros são escaladas importantes pra conseguir algo
Que nem eu sei mas é precisamente por eles e neles que aprendo
A ser quem sou, me provoco aberto e diferente,
Inequívoco resultado de mutação e escolha sem escolher.

Não acredito, nem nada sei por projecção do particular no geral,
Em leis imutáveis derivadas dos astrolábios estatísticos.
E as minhas teorias, hipóteses, insinuações, poderão ser falsas
Ou verdadeiras mas sempre autênticas provas da impulsão
Não compulsiva, não dádivas dos deuses ou da experiência
Breves arranha-céus na arquitectura do sonho lesto. E ledo.

A priori serei tão responsável e emancipado como a posteriori
Porque tudo o que em mim foi assimilado deixou de ser pertença
Exteriores são em mim as declarações com que produzo a verdade
A minha verdade objectiva, rigorosa, intransmissível, postular
Manifesto dos sentidos para melhor saber
O combate profícuo ao conhecimento seguro
À intolerância
Ao sofisma
À petulância
À desonestidade
À arrogância
Ao preconceito
Às vacas sagradas
Aos intitulados titulares
À percepção motivada
E à presunção intelectual.

Pois jamais me permitirei imperar sobre os três reinos
Paxá do espírito, califa do verbo, general da matéria
Mas sempre o escriba copista, aritmético e agrimensor
Astrólogo das cheias e do sonho no granito das esfinges,
Contabilista de oferendas e guardião de celeiros
Humilde e incansável que se refaz do inundado delta
Foz de teu corpo em que desaguo como vocifero cesto de luz.



Ver é ser – e ser é tudo quanto se vê

Cada silêncio é mais silêncio
Se nele houver a reserva tímida
De quem por réstias espigas de senso
Deseja aprender a desfolhar a dúvida.

E eu, aqui duvido, num retiro imenso
Refulgir de fulgor irremediável e intenso
De nova crença mais perto da vida...
Duvido que aqui não estejas dividida
Pelo écran, na jorro de luz que da janela vem,
Pelo clicar da escrita e da razão também.

Duvido que tuas não sejam as formas que vejo.
Duvido porque te conheço, me conheço e reconheço,
Como quem sabe onde é seu fim e seu começo,
Porque saber é ver como és, e ser teu (no desejo).

sexta-feira, setembro 07, 2007

Oferenda


Ontem, paguei trinta maidins pelo teu colar
Na loja do artesão Maïa ao lado do templo,
Arina emana agora a luz do teu pescoço de gazela
Descem raios como plumas no vale dos teus seios
Brilha-te o sorriso quando altiva fitas o ocaso
Despes o violeta ao lusco-fusco e ensinas o ventre
Às gotículas de água cristalina que te perlam a derme,
Mulher lei de ler cada verso de teus cabelos nos ombros
Descidos, o desalinhado solto a rimar-te no dorso
Quando flectes o tronco içando os lábios aos céus
O queixo entre espasmos de gritar a nobreza sôfrega
Soberana dum grito que nos explode dentro do pulsar
Revulsão de entrega no rigor do gesto anunciador
Grito gritado de implorar o sonho febril e sequioso.

As cinco partes de nós reunidas ao toque da alvorada
Nascente planície da carícia líquido mel de tua púbis
Emaranhada mata de mistério e frescura ensolarada!

sexta-feira, agosto 31, 2007

Cadinho de Hefesto

"Veneremos a memória do nosso antepassado
Imhotep, aquele que é protector dos escribas e
sábio entre os sábios, aquele que erigiu a mãe
das pirâmides em Saqqara, criando para o faraó
uma escada em direcção ao Céu, que ele inspire
os nossos pensamentos e os conduza pelo
estreito trilho da verdade
."
Christian Jacq, in A Rainha Sol

Já era quase noite neste dia ainda o mesmo dia
Quando comecei a escrever-te mas é de madrugada
Quando a aurora do odor do teu corpo se mistura
E dilui em brasa no perfume acidulado da rosa canina
E seu fumo evola e dança entre nós urgentes e nus
Que os ventres se requerem desesperados e sôfregos
E se fundem num só fogo de igual fragrância de sangue
Latejante sangue, febril e avassalador de esquecimento
Que cheira tão bem que até dói custoso de acreditar
As folhas a arderem estralejando desde a semente à raiz
Libertando fleumas de convergir na morrinha da manhã.

Eu confesso que também não sei quase nada das horas
Dos dias e do tempo apenas reconheço os minutos que sinto
Na intensidade dos sessenta segundos de pensar em ti em ti
Em ti no analógico desmedido até ferver cachoeiras de DNA
Furnas de lava ácida nucléica borbulhante nas lagoas cerebrais
Ou desmesuradas quedas de água interior a despencar abruptas
Precipícios líquidos do desejo com que te dissolves em mim.

Há outras coisas que quero igualmente dizer-te sem parar
Claro, mas que podem esperar ainda pelo sacrifício do verbo
Quando o degolarmos na pedra ou altar de todos os silêncios
E o seu latido agonizante raspar o arrepio e sulcar a alma
Com as pontas de diamante das estrelas que anavalham o medo
O rasgam de alto a baixo e esfaqueando-o como cristais cintilantes
Plantam nas telas do céu diamantinos e fulgentes soslaios
Esses teus com que dizes não à morte de nenhum animal
Flor, árvore, ideia, cor, som, gesto, expressão de agora ser
Porque tu preferes que profira a vida em linhas de horizontes
Paralelos sobre a paralelidade como socalcos de aproximação
Palavras sobre palavras a irromper no imo seio das veias
E pulsantes impulsionem as correntes águas a espraiarem-se
Até não podermos mais de tanto ruborizarmos no inconfessável
Vermelho desejo do tumescente segredo no beijo sequestrado.

Porque quando se é julgado por incendiário e ter ateado fogo
À floresta dos sonhos incondicionais e estes em labaredas
Te incendiarem o corpo no suplício da obsessiva possessão
E me possuíres em ti como um crime consumado no imo foro
Então poderei explicar sem as usuais contundências ilusórias
Da retórica dos remorsos e rebates dos desejos arrependidos
Que mergulhei na morte abraçado ao meteorito incandescente
Do teu beijo e atravessei-a toda num golpe de adaga imperial
Separando a eternidade em duas metades como fruto maduro
Cometa acutilante de unha felina a dizer a fresta que nos une.


Sem propriedade te pertenço enquanto lava de esculpir a voz

Porque na forja do grito o silêncio ferve à temperatura de nós!

sexta-feira, agosto 24, 2007

Sina lida


Quero a voz a cozinhar o asterisco
Do ontem no estendal da roupa lavada,
Que viver é um desenho imprevisto
Qual rabisco de uma nova tabuada.

Nasço do ter sede de água corrente
A ungir-me de serena normalidade,
Que estou cansado de ser diferente
Na orla esquecida da humanidade.

Saído da forja incandescente do tempo
Moldo sobre a bigorna os nossos fados,
Caminho aos tropeções de cego
Apalpando as esquinas da lenda,
Tentando equilibrar-me na memória
Dos dias que foram ditos, eis-me
Assim perante o destino
Ainda que nele mal acredite,
Que por deixar de ser menino
Serei Hefesto, e tu... – Afrodite!

quinta-feira, agosto 23, 2007

Mudar em mudança


Tudo mudou, amigos...
Já do espanto se renasce
Como Fénix noutras cinzas
Que nas figueiras dobram os figos
E os sinos maduros nos campanários;
Gemem nas noras os alcatruzes
Sangram as árvores no azinhal
E morrem as aves nos calvários.

Tudo mudou, amigos...
Mesmo o bater da bisca lambida
O estacionar detrás da casa,
Que a perdiz se voa ferida
Se denuncia no bater da asa.

Tudo mudou, amigos...
Incluindo a imagem de nós,
Que se temos ou tivermos futuro
Tão-só e somente o devemos
Ao feito derrubado muro
De já não termos egrégios avós!
Entre Costas


De costas viradas não te vejo
Mas sei onde estás e sinto-te real...
São como sentidas estrelas em cortejo
Que me marcam fulgentes, por sinal
Quase de línguas incandescentes
Com que se diz o sonho (ou o virtual)
E me dedilham de vertigem e solfejo
Num abismo de perder a noção de bem...
Ou de mal.


Serenas pausas entre seres afastados
Acontecem espaços por acontecer também,
Que se em metros forem bem contados
Nunca bastarão para afastar ninguém.


Ou silêncios, que igualmente distanciam
Porque distas são as costas que se avistam
Entre os ritmos que a estudar cadenciam
A chegada dos conceitos que nos pautam.


O navegar, o surgir significante com significado
Que estar de costas é estar virado
Ter por dentro o que é de dentro
E por fora, o mesmo lado!


Entre costas há o mar, oceanos de lava pura
Arquipélagos de literatura, intrigas, enredos,
Vidas, condenações por amor, perdições e segredos
Poetas que fizeram da existência outra aventura.


Há os destinos, sem chegada nem partida
Sinas que se cumpriram sem sair daqui,
Vidas tumultuosas que engrossaram a vida
Miríades de tragédias que sentado vivi.


São diferentes, estas bandeiras desfraldadas
Entre nós, redes tão parecidas às pesqueiras
Que de nó em nós emalham as seteiras
De onde vigiamos as simples madrugadas
Que hão-de descobrir o caminho de nós
Tendo nas ondas outras estradas
De cabelos (ser)penteadas a sós
Pelos dentes das paixões despenteadas.


Porque dessas somos apenas as mós
Que separam o pó das palavras soletradas
Costas com costas, combatendo o que vier de fora
Que as sentidas sentinelas só sabem sabendo
A sentida soletração que em nós nos demora...


Costas com costas, do anoitecendo
À aurora, que o futuro é um ontem tecendo
A teia que somos nas palavras do agora!

quarta-feira, agosto 22, 2007

Cagar no campo

Rejubilo quando a minha merda
Cheira intensamente a merda sã
E não a esse tipo de merda vã,
Que de cheiro a merda pouco tem
E nem sequer fumega de manhã.

Se for pecado, que venha a penitência...
Pronto estou a reconhecer a minha falta.
Que no cagar também houve sapiência,
Luta e glória e prestígio e beleza e ordem
Como o atesta qualquer cruzado navegante
Que sobre as vestes a cruz de Malta tem.

É épico. É viril. É patriótico. É pujante
A inspiração da merda que nos faz bem;
É orgulho nacional, é ver o horizonte
A espairecer rés à escovinha do restolho
Resfolgando fumegante como um bisonte
Fazendo pontaria à criação com um só olho.

Mas sobretudo é fímbria lusa, pura
Esta coisa de acocorar para ver Além...
Ter por pólos a aurora da frescura
E orar gemendo num «hhhãããnnn» por mais ninguém!

quinta-feira, julho 19, 2007

Magia

São cor de pérola, as batatas que me deste
Ao anoitecer, quando a luz em mim se abriu...
Agora, desconheço como fizeste, mas fizeste
Que nunca mais teu sorriso de mim partiu!

Lusco-fusco com batatas

Plantei as batatas fritas
Numa jarra vermelha:
Duas parecem-me aflitas,
Três ficaram de esguelha.
As demais, estão bem bonitas
E sorriem, como quem te espelha.

Nem todas têm seis sementes...
É como uma impressão digital:
Faz de cada uma delas folhas diferentes
Sem, contudo, deixarem de ter igual.

E esta hora dá-me saudades tuas,
Mas olhá-las não me descansa...
Pois não parecem folhas mas luas
A dançar-me no sangue, que não dança.

No céu, sobre o rosa-alaranjada
Da minha janela, vejo a Lua unhagata
Com Vénus, por baixo à direita...
Mas se olho prà flor-batata
É teu olhar quem me espreita.

Ah!!!...

Escondeu-se a Lua acabrunhada
Pelo que eu das batatas dissera...
Ora, que culpa tenho, dela não brilhar nada
Ao pé do sorriso de quem mas deras!


Mensagens de desaforo

Só gostava de saber onde estás
Para seguir em caminho diferente,
Porque às "gajas" lindas mas más
Dá-se-lhes trato correspondente.

Se na vida existe esperança
Para além da mudança de clima,
Nasce da feliz circunstância
De jamais te pôr a vista em cima.

Bom, talvez não seja bem assim
Neste controverso viver,
Que há dois quereres dentro de mim:
Um que não ter quer ver
E outro que muito ver te quer,
Todos os dias sem fim.

As duas conchas que às pérolas guardam,
É Vénus de um lado
E teu olhar do outro.
Por mim, rendo-me ao fado
De apagar-me para que ardam
Estas visões que me matam
Sem porém me deixarem morto.

E tem mais: se sou possessivo,
Se-lo-ei tanto como tu és,
Que depois de me teres cativo
Me jogaste fora, aos pontapés.

Já não precisas de ficar calada
Quando a quadra te aborrecer,
Que gente ruim se não diz nada
É, até, bem capaz de morrer.

Dizem que a raiva é tanta
Nas pessoas que de vermelho se tostam,
Que queimam a própria garganta
Só para não confessar de quem gostam.


Está hoje a Lua bem catita
A brilhar, de expressão contente.
É quase brilho de batata frita,
Cor de pérola em quarto crescente.

quinta-feira, maio 24, 2007

Mãe

Dizem que morreste de neoplasia...
E fisicamente, isso é verdade. Mas quase juraria
Que tu, que trouxeste sempre apertado o coração,
Vieste a morrer, sim, um dia
Sobretudo de incomunicação.

Nunca disseste
Ao mundo o aborto que fizeste
Nem a culpa que te ardia
A febre, nascida da hemorragia
Que te prostrou desde esse dia
A sofrer sozinha a dor agreste
Do pecado, e da condenação.
A quem puseram o apodo de vadia
Só porque não pudeste dizer NÃO.

Amar traz sarilhos
E por vezes até filhos
Para os quais não há condição;
Contudo, seriam mais leves os trilhos
Mesmo pejados de cadilhos
Se esses filhos não fossem também filhos
Da opressão.

Deste sempre o teu melhor
Mas morreste na solidão;
Que quem é traída no amor
Vê apenas, nos demais, suspeição.

Tudo te foi perdoado, mas não sabias...
Até aquela falta de vacinação,
Os processos que contra mim movias
Onde o único crime que me conhecias
Nascia da febre da culpa e da imaginação...

Foste breve, mas durou-te a vida,
Morreste pouco após eu ter nascido.
Agora, que já nada de ti resta além da campa tida,
Querem raspar-te da memória, a família havida
Sob a dura e fria pedra do olvido!

No entanto eu, sei-o bem
Que jamais fui filho de outrem;
E por mais que digam razões de esquecimento,
Enquanto em mim houver alento
Nunca te hei-de esquecer – Mãe!...

No teu ventre quatro corações bateram
Mas deles os expelistes quando "nasceram"...
Sendo fruto de um só que te bateu no peito
Onde lado a lado nunca outro bateu do mesmo jeito,
Ecoaram eles longe e não te ouviram
Quando o teu por eles chamou... E muito menos souberam
Que o carinho que não te deram
Também a eles zurziu – e matou.

Portanto, quando morreste, não foi só a ti que aconteceu
Essa neoplasia de sequela antiga;
Morreram igualmente e também
Todos quantos debaixo do mesmo céu
Se esconderam sob o véu
De não querer-te como amiga.
Os que te olharam e não te viram,
Os que esperaram receber e nunca nada te deram,
Os que pediram mãe e a não tiveram,
Porque preferiram ser filhos de ninguém.

Os que, queiram ou não, apenas são gente
Porque se no teu coração tiveram raízes
Nele se fizeram coágulos, varizes
Negando ao teu amor
O direito de ser cárnea rosa, pulsante flor
Que também queria ser semente!
Silêncio sepultado

É quando no silêncio da treva o suspiro
Se liquefaz e escorre entre o empedrado e a parede
Arrastando com ele na fúria das valetas e fossas reais
Aqueles objectos imprescindíveis mas já imprestáveis
Os boletins do totoloto, os talões de multibanco, os canhotos
Os maços de tabaco vazios, as latas de conserva com a tampa encaracolada
Os calendários do ano passado, os lápis curtos mas rombos
As beatas de cigarro desbotadas de amarelo nicotina, inchadas
Pela humidade quase a rebentar no filtro junto à marca de batom,
Que os suspirantes e os suspiradores aprendem o olhar
Colam as retinas embaciadas contra a vidraça controversa da alma,
Apostam-se tudo ou nada, arriscam-se no jogo da falta
Enleiam-se de saudade, prestam culto aos ausentes.

No entanto, se alguém disser que esteve lá e sobreviveu a isso
Que consegue andar na rua desempenado entre os demais
Sem se sentir moribundo esquecido entre velas e cílios
Indiferente ao toque de transeuntes e sorrateira inspecção
Discreta, subtil, apurada dos vendedores de fruta e bijuteria
Então, é porque mergulhou abrigado sob escafandros descomunais
Esteve submerso e nunca soube onde, não lhe faltou o ar nem o pé
Esvaiu-se em nada entre insignificâncias, ninharias, coisas nenhumas
Apenas quis pedir desculpa por existir sem o saber, desconhecendo-o
Quis impressionar os mortais, inspirar-lhe compaixão, vitimar-se
Solicitar-lhe acuidada teima de perdão, implorar piedade.
Porque de lá ninguém regressa sozinho, o suspiro persegue-o,
Ninguém traz a morte dentrada fora de si, impregnada na pele
Como um cheiro que nos apodrece e fica por isso mesmo
Jaze impune, seguro, garantido pelo invólucro de chumbo eterno.


Ninguém.

segunda-feira, abril 30, 2007

Apelo

Se é no cume do caule da flor
Que o cálice das pétalas existe,
Então, verte em mim teu ser amor,
Vem para ao pé de quem, por te não ver
Quase morre, e morre de morrer triste!...


Natal Silvestre

Talvez a gente esteja indubitavelmente aqui...
É esse o nosso preço!

Mas na desesperança com que de ti me despeço
Há um beijo que não dei
Um corpo que não vivi.

Portanto, quando à luz dos momentos tidos
Nos despimos dos sonhos e das expectativas
Lemo-nos pétalas dos sete sentidos
Fusão de corolas das mesmas vidas.

E desse suplício de entrega e expulsão da dor
Nascem entre miríades de pétalas fulgentes
Cruzando círculos, quadrados, ângulos, tangentes...
As corolas se fazem cálices de nova e renovada flor!

segunda-feira, abril 23, 2007

Indecisa Prece

Embora sejam iguais as cordas tensas
E semelhantes os arcos que ostentam
Como idênticas as flechas que neles há,
Quando Diana dispara abate o gamo
Mas se o faz Apolo são outros os alvos
E Cupido acerta no humano coração...

Poderemos, por isso, dizer que é o destino
O rumo, a direcção, o sentido, a intenção
O objectivo, quem destrinça as essências?

Cruzo-me contigo e sob o arco de tuas sobrancelhas
Circunspectas e enigmáticas, emites o teu dardo:
Alvejado, abatido rendo-me, esqueço-me de mim
Todavia, confuso, não sei a que deus agradecer!

quinta-feira, abril 19, 2007

Síndroma do apaziguamento


Embora duvidosa se enraíze quase sempre a certeza singela
Deste recente averiguar nas aves o chilreio descontraído,
Que ao labor da escrita acrescentam no vê-las através da janela
Quando antes de matar a sede se encavalitam no ramo despido
Do freixo que ao céu sobe próximo da parede e defronte dela...

O que importa não esquecer, perante a planície e suas colinas
Sub-reptícias, dengosas e feminis que se lhe deitam ao largo
Alongando seios e ancas em esparso bosquejo de olivedos sobros
É que não há sonhos sem desfiladas nem esvoaçares de crinas
Ou mesmo outras distâncias que não aquelas que em mim trago.

Seja no pleno descobrir, como no retraído e hesitante navegar...
Que o único pecado mortal nasce do olvido, ainda que a florir
Lhe estejam ausentes as folhas com que há-de também outonar.

É de verde sombrio, sujo, carregado, de camuflados militares
Entre os telhados dúbios dos hipermercados e o azul cinza do céu
Que apascenta o olhar se fitamos o horizonte ao entardecer
Como musgo sequioso sobre granito de mausoléus ancestrais.

Mas se da cor o que mais fica são os movimentos por fazer
Do sentimento tido que tudo explica se nos aturam os vagares
Esse que recai e descai sobre o ser como sombra, manto, véu
E faz ondular as papoilas ou espigas louras e maduras dos trigais
Que por não vistos se imaginam, e imaginados são mais reais!,
Então, retornam quase todas as searas vistas por esses campos fora
E pintalgam o presente com rústicas pinceladas de ontem no agora.

Madrigal

Ao cocuruto do jovem cipreste
Que há defronte da minha sala,
Qui-lo o pintassilgo silvestre
Para seu lar, quando acasala.

Podia até ter escolhido os demais
Que em fila também há rua fora;
Mas não, foi nele que criou o cais,
E escorou a eternidade que o decora.

Que um ninho, há-de sempre ter
O colorido canto de quem o faz;
E este, ainda que feito no agreste
Verde cipreste comum ao morrer,
É a vida que ele no cimo me traz
E aos filhos das aves aí a crescer!

(Continua)

quarta-feira, abril 04, 2007

Lúcida luz


Cálculo, supor que me supões assim mais uma mosca morta
Consumida, estrangulada na teia do teu tarantular abraço,
Enquanto as tuas palavras me embalam e a tua baba corta
Tangentes limites, esquadrias que me circundam o espaço...

Portanto, eis o eixo da roda, o picado ponto do compasso
Sobre o qual gira cada ângulo solar do teu inspirado dizer
Que está no estribilho da entretecida língua que passo a passo
Me enreda, aprisiona, tecendo a liberdade de ser meu se em ti ser.


Dei-te hospedagem: alugaste-me o coração, simples rendeira.
Pois desta estalagem fizeste outro castelo de muradas malhas;
Todavia, centrípeta esfinge desliza-me sobre as nítidas calhas...

Rectas linhas, corporais curvas, doces bagos da mesma videira
Croché das Penélopes esquivas, com que de noite me trabalhas
O sonho de crer, no visco que é o querer-te minha a vida inteira!

segunda-feira, março 26, 2007

PRESSÁGIO


Ao contrário daquilo que pretendo fazer-vos crer
Nem tudo em mim é pura e singela transparência
Também tenho segredos alguns inconfessáveis
Difíceis de dizer, de calar, de escrever, de expelir
De deixar esquecidos numa qualquer rua, esquina
De grafitar nas paredes de alguma casa em ruínas
De abandonar em banco de jardim ou gare ferroviária
De acondicionar entre os livros da biblioteca pública
De encaixotar no sótão com demais trastes e bibelôs
De meter na gaveta das trivialidades preciosas
Junto aos cromos da bola, aos porta-chaves, fotografias
Calendários pornográficos, bilhetes de teatro ou concertos
Recortes de fait-divers, catálogos de exposição, clipes
Botões invulgares, relógios avariados e colchetes ímpares,
Embora me tenha esforçado capciosa e exaustivamente
Rasteirando-me amiúde ou tentando desmascarar-me
Pra nada permitir oculto de mim e de meus semelhantes.


Mas ontem à noite, ao deitar-me, tinha uma aranha
Pequena e quase negra sobre a colcha branca da cama
Por cuja pose serena, pacificadora, sem o mínimo temor
Sem qualquer expressão de surpresa parecia aguardar-me
Que não tive coragem de afugentar e muito menos de matar
E a quem fiz com que me subisse prà concha da mão direita
A fim de pô-la num lugar da casa raramente frequentado
Num dos quartos vagos e sem serventia que me sobram.


Foi um momento solene, de sublime suspensão religiosa
E sustida respiração com receio que ao expirar a incomodasse
O ar exalado viesse inquietá-la ou lhe inspirasse a fuga
O susto, o pânico, algo lhe subtraísse a letargia apaziguadora.
Contornei móveis, transpus portas, percorri salas e corredores
Todavia, como se adivinhado tivesse a solidão dos quartos
A prisão de silêncio para que estava disposto a atirá-la
Ei-la num ápice saltando sem que pudesse evitar-lhe o sumiço
Deixando-me estático para que a não pisasse sem ver
A molestasse involuntariamente ou, enfim, a matasse
No precipitado comum dos gestos irreversíveis e fatais.


Adormeci com a porta do quarto entreaberta... Mas demorei
Custou-me adormecer e passei a noite em sobressalto
Sonhando acidentes vários, tempestades, desertos gelados
Catástrofes mais que perfeitas me obrigaram a acordar
E, durante todo o dia de hoje, andei na casa em bicos de pés
À coca, com cuidado e atentando bem ao dar os passos
Compungido e ansioso por reencontrá-la e trazê-la de volta
Depo-la novamente no meu quarto, rogando-lhe perdão...


Sei que vos pode parecer esquisito este clima de segredo
Este suspeitoso ar de mistério e culpa por um ser ínfimo
Insignificante de quatro pares de patas e baba de seda
Não obstante gregos e egípcios em sua teia revejam o destino
E os cristão lhe concedam as tramas e ciladas de satanás
Ou o sustentáculo do conjunto da vida como querem os celtas,
Casa e tabernáculo da Grande Mãe devoradora de fomes e homens
Insaciável poço de vertigem, sofreguidão e imperiosas urgências.

* * *
Sete dias se passaram convém não esquecer, sei-o muito bem
Porém também não desconheço que a culpa não foi minha
Mas da alma que me arrogoou em todos os sentidos possíveis
De júbilo, de alívio, de euforia, de arrebatamento, enfim de tudo
Pois voei de mim desde que a voltei a encontrar, inconfundível
Precisamente ao canto esquerdo do espelho rectangular, de manhã
Na casa de banho quando fui barbear-me, lavar inclusive o rosto,
E ali ficou a olhar-me, vendo-me a ver-me na limpeza diária das faces
Ou a iluminar-me de outra luz para além daquela jorrada da lâmpada
Semeando-me enxadas digitais para softwares de enredo e mistério
Tecendo-me a realidade com diferentes pontos e linhas num morse
De seda cinza onde adivinhar e domesticar frágeis sinas ou futuros
Rumos pendulares, parabólicas intercepções oscilantes entre céus
Reinos da alma fugida, exilada do corpo durante os sonos da noite
Contudo recuperada pela aurora no canto esquerdo do plano reflexo,
Espelho esse que mais tarde abandonou para subir ao tecto
Instalar-se como estrela de oito pontas no vértice superior direito
Exactamente no ângulo feito entre as paredes e o estuque cimeiro.

* *
Agora deixei, é certo, de andar na casa com receio de pisá-la
E a desenvoltura nas lides ganhou aquela lesta espontaneidade
De quem não necessita de se resguardar da terra que habita
Do chão que pisa, da pele que o envolve, do querer que o anima.
No entanto, sempre que saio de casa tenho de confirmar onde fica,
Mal regresso é a primeira coisa que faço, a ver se ainda lá está,
E nunca me deito ou adormeço sem antes lhe ir desejar boas noites.

Pensei que fosse superstição, ritual de incorporar alguém querido
De quem sinto a ausência e me prendeu nessa teia de palavras
Onde germinam e proliferam as essências secretas dos predicados
A alquimia dos verbos que transitam entre os planos semânticos
E faz fluir a eternidade tornando-a una e transversal às gerações.

Supus ser a tecedeira da rede de afectos que me pescou a alma
A cerziu em passagens serenas e assimétricas de emalhar sentidos
Cruzar pontos, atar hífens, justapor ritmos e rimas da paleta sonora
Ou preencher o vazio do cosmos com as linhas que o sustenham
Réplicas do DNA universal comum a todos os elos da espiral da vida,
As ligações que irmanam os seres e espécies da casa na geografia
Interior a que axónios íntimos jamais negaram a sinapse das falas.

Acreditei que fosse o espírito ancestral congeminando as sortes
Os anseios de olhar o céu que nos tornam únicos porque adoramos
Infringimos a lei dos deuses roubando-lhe o fogo de forjar a matéria
E a vontade, moldando sobre a bigorna do tempo os próprios símbolos
Véu de ilusão, ovo de Maya, expressão da prodigiosa criação da beleza
Lídia dotada, efémera Aracne tecelã dos amores dos deuses pelos mortais
Ferida por Atena e sua lançadeira no castigo da ambição demiúrgica,
Qual Anansé que amassou e moldou a farinha dos primeiros homens
Que criou o sol e as estrelas, força realizadora da meditação intuitiva
Primórdio inicial de todos os seres e interioridade preciosa do cosmos.

Porém, nenhuma justificação me satisfez... Nem o seu consentimento
Me foi dado observar, até que subi ao bordo da banheira e observei
De muito perto, tão perto que os seus cinco olhos me fitaram de viés
Me saudaram num ínfimo pestanejar de assentimento pacificador,
Ditaram que no pentágono dos sentidos o núcleo governa o todo
E esse é tido e ordenado pelo soslaio que emite aos quatro cantos
Aos quatro elementos naturais, terra, ar, fogo e água, carne, respiração,
Calor e sangue, cérebro, pensamento, sexo e amor, língua, cultura,
Arte e poema, aliás simples e trôpega cópia do teu olhar na segunda fila
No balcão dos conteúdos escondidos em cifra humana e literária
Metáforas vivas da arca de acácia onde a humanidade guarda o sonho
Que nos sonha, inventando-nos à sua imagem e dela testemunhas.


Indubitavelmente o teu soslaio, magma que te esculpe o sorriso
No rosa cintilante das faces sob os arcos lunares dos cabelos castanhos
Tensos mas tombados como um manto, duplo véu de Vénus
Moldura de enigma e mistério, seda de abrigo para Moura Encantada.

*

Nem tudo em mim é simples e pura transparência como supõem...
E quero fazer crer. Por exemplo, acabei agora de dizer o teu nome
Como presságio de reencontro, e somente tu o saberás ouvir, ler
Reconhecer entre todas as palavras que vagueiam e se espraiam
Na enseada da voz, no delta da fala, à sombra dos oásis do poema.

sábado, março 24, 2007

NA LEITURA DAS FOLHAS


A minha voz atravessa-me do princípio ao fim
Todo, antes de sair derradeira pela boca vulcânica
É lava do fundo, incandescente génese genital
Capaz de converter o múrmur do figo maduro
Silente síntese imediata entre o mel e o leite
Nos teus lábios de gritar sem o estridor da fé
Mas determinada na simbiose da sicomancia.

Grotescos, deveras grotescos, apenas o beijos por dar
Os que não soubemos aconchegar na seda dos lábios.


O SICOFANTA


Que é isso, da voz dos bojudos e redondos cântaros
Quando cheios de água até ao cimo da boca
Rogando pelo poeta, bardo ou aedo sicofanta
E suas palavras que lhe denunciem os figos
O granulado mel entrevisto no imo liquefeito
Húmus, adubo do prazer na transparência
Cristalina profundidade que assusta o olhar
Se em vertigem atirado ao interior de seu ventre?

É a frescura boreal quem melhor contrabandeia
O fruto doce e aveludado sob as folhas escondido
Verdes rugosas e felpudas, ásperas e combatentes
De tuas vestes e mantos de queda de água, na catarata
Com que te resguardas de mim, estorninho gritante.

Devias sabê-lo desde o início, como lei da Lei.

quinta-feira, março 22, 2007

PERCEPÇÃO MOTIVADA


Quantas vezes gritaste o meu nome do alto da ravina
A fim de perceber o eco, e nada te disse em troca?
É disso que falam os vales da minha paisagem interior
Se entre serras te desconheces em vão descobres o corpo
Ou te esqueces das chaves do nosso quarto crescente.

Podia ser hilariante, porém quase óbvio por repetição
Analógico, mas às vezes torna-se absurdo senão trágico
Desenhar teus lábios, cabelos, lóbulos, esguio pescoço
Apenas com a paleta de lápis que me sobram das pupilas.

Disseram-me ontem que amanhã será o segundo dia
De Primavera, e creio, consequentemente, haver algo inaudito
No desaforo, ingrato propósito de espera em cada esquina
De quem apenas quer ver-se surgir da multidão transeunte
Com o jornal debaixo do braço, as compras do hipermercado
Balouçando nos conteúdos de dois sacos de plástico
Como se fossem qualquer de útil e necessário à coreografia,
Qualquer remédio eficaz para matar as íntimas solidões.

Disseram-me isso, importa todavia registar neste momento
Que se me tivessem dito outra coisa eu nunca o teria escrito...
Ou nem sequer a teria ouvido suficientemente claro, para tal.

quarta-feira, março 21, 2007

VONTADES CRISTALINAS


Quando, precisamente ontem, sábado, minha tia materna
Que por sinal é também Rosa de nome e singela de feitio
Me ofertou dentro de uma cesta de hastes de acácia
Trinta e seis laranjas e dois ramos de loureiro florido,
Recomendou que comesse contigo um fruto por dia
Durante trinta dias meia laranja cada, portanto, o faremos
Metade para ti, metade para mim, diariamente em jejum
Como qualquer receita curandeira de mágicas vitaminas
Posto que no trigésimo dia havemos de repartir as restantes,
Três para mim, que guardarei para comer ao lusco-fusco
(Se a noite não se interpuser à tarde de forma derradeira e abrupta)
E quatro para ti, que consumirás conforme melhor entenderes
Sem qualquer imposição de hora, de lugar ou de propósito
Pois a liberdade não se injuria nem oblitera de ponto pronto
Antes se alonga e serpenteia como os regatos de Primavera
Os equinos dorsos de anunciar a bravia languidez das planícies.

Seremos supérfluos que nem o remanso estival dos vergéis
Os dolentes dias adormecidos sob a romãzeira junto à fonte…
Porém, crepitantes no rumorejar cristalino da queda de água
Os salpicos que orvalham de gotículas transparentes a penugem
Os cabelos dos antebraços, o colo até, se te debruças para a bica.

Tens o semblante sonhador de quem aguarda sequiosos cruzados
Solitários viandantes, destinos bamboleantes sobre as selas
Nobres intérpretes da oclusão dos limites secretos da coita.

Há quem diga que o crime que expiras se resume ao olhar
O incêndio avassalador que libertas sobre o gerúndio da estepe
Ressequido que à mínima lucidez arde com ela, alma do estrépito
Nu de rompê-la, aspergindo de faúlhas, de miríades de centelhas
Flamejando imediatas e breves, repentinas ao desejo dos nardos
Como livres lírios que cabriolam o cume de todas as miragens


-- Incluindo as nossas. Uma a uma, gomo a gomo suculento
O sumo escorrendo-nos da boca tumefaciente da procura mútua.

sexta-feira, março 16, 2007

Óculos escuros

É quase verdade andar invariavelmente a angústia
Separada dos corpos que a habitam, a bebem
Crestam(-se) como pequenas gotícolas em volta
Envoltas pelas crisálidas das expectativas
Pois naturalmente cada um quer ser outro
Este ideal de si mesmo que sempre ideal também será.

Ninguém discute tal propósito embora
Muito embora porém como já desconfiais
Hajam alguns doidivanas que se interrogam
A cidade até tem diversos bares que frequentam
Raros fazem mais que isso pela noite fora
Outros perdem-se diariamente nos corredores das escolas
E se depois das aulas dadas alguém os interroga simplesmente
Sobre coisas simples não sabem que responder
Por exemplo "estás bom? Como te chamas? És de cá?"

Então fingem que sim e dão um nome qualquer
Provavelmente desconhecem o efeito da memória
Sobre as angústias comuns há diversas variedades
Convenhamos que algumas bastante profícuas
Exigentes, perfeccionistas, apenas permitem o complexo
O imbricado enredo da confusão e mágoa até às franjas
Incluindo aquelas raras e ralas de ser como redes pesqueiras...

Mas, surpresa das surpresas, ontem me disse uma, afirmou
Enquanto procurava no bolso uma caneta sem tinta
Que o calor do sol está a ficar cada vez mais quente
Porque os homens deixaram de se sentir ofuscados
Não se cuidam em fechar os olhos ou franzir o cenho
Assim, quanto insistentemente o desafiam, o fitam!

quinta-feira, março 15, 2007

Voto de Primavera

Agora a cruz que aqui fica,
Deu-lhe a pen(h)a um desvão…
Se era cardo, já não pica;
Apenas cravo, ainda não!