A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras

A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras
São o chão em chamas onde as lavras

sábado, abril 28, 2012


NA LUZ DA FALA



Acorda-me a voz sob a chama da alma plena
Que dita fala é a língua do sangue aceso ímpar
Labareda que ao sigilo ledo da lira subtil e serena
Ondula seu corpo de ave à solta num breve esgar…

É esse o suplício de quem ao amor todo se entrega
Sem o receio do voo ante o senil tédio da sede amena;
Que o grito é mais forte que a voz que ao medo prega
Como virtude e o esperar como lide de alor suprema.

Não, não quero esquecer dos sentimentos a pura chama
Nem de meus afetos o enleio sequioso, íntimo e intenso…
Quero lê-los com a pronúncia declarada de quem muito ama
E a sofreguidão de quem se dá, que tanto, ao dar me pertenço

Feito aceso consumido, que a luz é água na cascata da vida
Onde me bebo e bebes pela fala desta língua apenas querida!
  

quarta-feira, abril 25, 2012


PROMESSA



É quando o sulfuroso da alma
Se entrega ao desmaiado azul,
E os flocos de água se fundem
Num só oceano em busca da voz

Que caminhamos sobre o algodão doce
E ganhamos sentido nesse futuro que se espraia
E baloiça sob a pendular força da incerteza,
Mãos remando rimas no entrelaçado dos dedos,
O balde deixando escorrer sua sombra
Qual utensílio roto na clepsidra dos instantes
Ledos
E idos para os segredos distantes
– Mas vividos.   

Nunca o esqueceremos no vaivém dos dias
Sobretudo se os rostos escondidos de fitar o futuro
Peito feito ao mar se derem nem desconhecerem
Quem são – quem foram.


segunda-feira, abril 23, 2012


NA LUZ CONTAGIANTE, A FELIZ BUSCA  



Num café de aldeia duma rua
De aldeia com nevoeiro de aldeia
Registo que cada gesto se insinua
Fuga nessa ideia que me incendeia


Como se eu fosse a espera de ti,
O fogo perene, a faúlha suspensa
Que sob leve esgar teu se intensa
Na fantasia que eu mesmo acendi.


És aquela que detém a diferença,
O porquê de meu pensar tresmalhado;
Mas, por seres de ninguém pertença
Também és a inquietude imensa
Deste buscar de meu ser incendiado.



APRENDIZAGEM POR EXPERIÊNCIA PRÓPRIA


Sei dos gestos só aquilo que há
Para saber, nada mais que a plástica,
O incompreendido registo da prática
De uma intenção que se não dá.


São peças dum puzzle, retalhos vivos
De vidas sem princípio nem fim
Que ao sucederem entram nos arquivos
Fechados das gavetas bolorentas de mim.


Desta memória que insiste em ser realidade
Farol, pilar, escora, muralha insegura,
Que a cada dia nos faz a caridade
De nos tornar a vida sempre mais dura!



O AMANHECER DA FADA PRÒ SEU FADÁRIO



Tento reconverter o silêncio, a insanidade
Sabes, que fazer com a progesterona dos dias
Difíceis somos sempre abertura à desfaçatez
Do intercâmbio na simbiose de usufruir
És a esperança que procuro linha apagada
Na solidez indesejável da morte aflita
Prestes a urinar-se pernas abaixo as calças
Como quem recita imortalidades alheias.



Não te arrependas por ser a mosca morta
Do princípio em que todos dizemos parvoíces
Refrões dum encantamento estranhamente terráqueo.





Por isso põe o pão, o vinho, a sebenta, a guitarra
Sobre a mesa assim posta a voz também, a da semente
TU na praia infinita do AMANHà aGUARDANDO  LIBERDADE.




domingo, abril 22, 2012


    O  CONTRABANDISTA



1.



           APELO DO CAMINHO



São gestos simples duma criança os pés

Os ombros, as mãos abertas.

Mesmo uma falripa sobre a testa 

Um suspensório a arrastar na areia...

Uma pedra a bater na latada,

Um chamamento de mãe contrariada.





Ah, e o enigma da estrada

Que nunca termina na curva

Como fora previsto!



2.



CONTRABANDEIO.

É essencial de mim, português

A navalha, o relógio, o isqueiro!

Por vezes, a caneta

Ind’assim me não esqueça

Daquilo que me vai na alma.



Seguem-se os dias aos dias

Na formação do ontem de amanhã

E há um povo que não se cansa

De afiar o ânimo no esmeril da solidão

De correr seca-e-meca à procura 

De escorregar pelas ladeiras lamacentas da ilusão.



3.



     TALEGO 



Esse resto tão pouco...

Tão cintilante o sol

Capilar sobre a vereda

Abrigo da tarde

Entre pinheiros

Agudos sonidos dos cartaxos,

Os ombros vincados ambos

A bolsa no lamaçal das costas.



4.



     RECRUTAMENTO 



Revejo o adro. A tarde arde. 

Posando em fila circular as botas ferradas

Esperam a fotografia imediata dum capataz.

Aos velhos e crianças apenas é concedido o número

E não o nome. Esses ficarão meia-lua perdida – olhos da calçada 

Por suas bocas serem a jarra em que não há semente.





Arde a tarde e a esperança do corpo

Consumindo a fome que em casa se passa.

Arde o silêncio na competição dos olhos

Na ânsia de saber quem vai desta jornada.

Arde a silhueta do cavaleiro desembocado da rua

O matraquear dos cascos, o cintilar das esporas...





Chapéu no sobrolho, chicote apontado

Divide e escamoteia, joeira e não ouve:

“A jorna, já sabem. É pegar ou largar!“





«Mãe: não valho nada!!...» Ainda que quisesse

Pegar na foice e suar o que faltava, a cabeça curvada

Quem daria ao filho daquele que entre cavalos partiu

O sol a sol do pão, desde que o sonhasse ou soubesse?





Revejo-te adro. E àquele dia, mãe

Em que num ai, reconheceste também

Ser sempre o caminho do filho

Seguir as pegadas do pai!





5.



     PRISÃO



Pela fresta da entreaberta porta soam ferraduras

Crinas nervosas agitam o medo, bater de cascos.

Um latido de cão sem coleira à porta da taberna...

As fitas mosqueiras que dedos ronceiros suspendem...

O suspeito ar de caso nas alvas fachadas...

Uma criança descalça atravessando o escaldante empedrado...



E um gesto de Agosto na supressão de mais uma boca.





6.



    REFERENTE



A mesma criança do outro poema

Tenta passar de novo a rever-se

No espelho do sonho e surpresa.





Fecha o triângulo e surge

As guitas do pião escorrendo dos bolsos

Os gestos tímidos dum esgar de mel

Os olhos perdidos em tamanhas cores.





Adiará a infância para melhor tempo

Que a mãe já reclama a presença

De um Homem na casa. 


domingo, abril 08, 2012

JOAQUIM CASTANHO E LÍDIA GODINHO em MOMENTOS DE POESIA

Conforme tem sido habitual, de algum tempo a esta parte, acontecem Momentos de Poesia todos os meses na Biblioteca Municipal de Portalegre, mais precisamente ao segundo Sábado de cada mês, pelas 16 horas, sob a generalizada coordenação de Deolinda Milhano.

Para essas sessões, segundo também o que normalmente tem acontecido, são convidados alguns autores portalegrenses – mas não só –, poetas – maioritariamente, mas não só – para participar e assim prestar seu contributo, lendo ou declamando os seus textos, de acordo com a livre escolha e estilo de cada um, e no formato que melhor lhes convém.

Desta feita, calhou a sorte, no próximo Sábado, dia 14 de abril de 2012, a Joaquim Castanho, escritor natural de Portalegre, que terá iniciado a sua atividade literária exatamente com o género poético, e que conta já com um considerável número de títulos originais e inéditos, entre os quais quatro de poesia ( EUCLASIA, CAPAS NEGRAS, FAIT-DIVERS e O ESCRIBALISTA E SEUS ESCRIBALISMO PRETÉRITO).

Todavia, não será somente por isso que esta edição de MOMENTOS DE POESIA se antevê como uma sessão extraordinária... Antes sim pelo formato e pela preciosa colaboração que Joaquim Castanho irá ter – a de sua amiga de longa data LÍDIA GODINHO, também ela natural deste distrito, embora atualmente a residir em Lisboa e a trabalhar na Amadora, que conhece a sua poesia como mais ninguém e desde os tempos de estudante nesta cidade, onde frequentou o ensino secundário e superior.

Ou seja, além do universo poético e habitat inequívoco de sentimentos e emoções, memórias e metáforas, registos ideológicos e apontamentos do quotidiano, se vai nela ter igualmente oportunidade de constatar o efeito direto desse outro grande afeto que é a AMIZADE, e de como ele transforma os sons, as imagens e as palavras, em exemplos vivos de pronúncia humana, cujo timbre e ritmo é indubitavelmente o do mútuo reconhecimento e apreço, uma "musicalidade" quase perdida nos dias de hoje mas tão necessária como urgente neles.

Portanto, o convite aqui fica a todas e todos que queiram testemunhar essa simbiose das falas apenas, possível numa língua em que o sotaque alentejano arrasta consigo fiapos da alma lusitana, que se hão de entretecer numa malha de afetos vincadamente universais com que se se subscrevem todos os reencontros humanos – a ternura, a empatia e a amizade.

Porque a arte é por excelência um veículo de transporte e celebração de afetos, também a vossa participação é, sempre foi e há de continuar a ser, o nosso melhor poema!