A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras

A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras
São o chão em chamas onde as lavras

quinta-feira, maio 24, 2007

Silêncio sepultado

É quando no silêncio da treva o suspiro
Se liquefaz e escorre entre o empedrado e a parede
Arrastando com ele na fúria das valetas e fossas reais
Aqueles objectos imprescindíveis mas já imprestáveis
Os boletins do totoloto, os talões de multibanco, os canhotos
Os maços de tabaco vazios, as latas de conserva com a tampa encaracolada
Os calendários do ano passado, os lápis curtos mas rombos
As beatas de cigarro desbotadas de amarelo nicotina, inchadas
Pela humidade quase a rebentar no filtro junto à marca de batom,
Que os suspirantes e os suspiradores aprendem o olhar
Colam as retinas embaciadas contra a vidraça controversa da alma,
Apostam-se tudo ou nada, arriscam-se no jogo da falta
Enleiam-se de saudade, prestam culto aos ausentes.

No entanto, se alguém disser que esteve lá e sobreviveu a isso
Que consegue andar na rua desempenado entre os demais
Sem se sentir moribundo esquecido entre velas e cílios
Indiferente ao toque de transeuntes e sorrateira inspecção
Discreta, subtil, apurada dos vendedores de fruta e bijuteria
Então, é porque mergulhou abrigado sob escafandros descomunais
Esteve submerso e nunca soube onde, não lhe faltou o ar nem o pé
Esvaiu-se em nada entre insignificâncias, ninharias, coisas nenhumas
Apenas quis pedir desculpa por existir sem o saber, desconhecendo-o
Quis impressionar os mortais, inspirar-lhe compaixão, vitimar-se
Solicitar-lhe acuidada teima de perdão, implorar piedade.
Porque de lá ninguém regressa sozinho, o suspiro persegue-o,
Ninguém traz a morte dentrada fora de si, impregnada na pele
Como um cheiro que nos apodrece e fica por isso mesmo
Jaze impune, seguro, garantido pelo invólucro de chumbo eterno.


Ninguém.

Sem comentários: