A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras

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São o chão em chamas onde as lavras

segunda-feira, outubro 12, 2015

MIKHAIL BULGAKOV, Margarita e o Mestre



MIKHAIL BULGAKOV 
Margarita e o Mestre

"O comportamento do gato deixou Ivan tão estupefato que o poeta ficou pregado ao solo junto a um armazém de mercearias, à esquina. E mais atónito o deixou ainda o comportamento da condutora. Assim que viu o gato tentando subir para o elétrico, a mulher gritou, tremendo de raiva: 
– Aqui não são permitidos gatos! Rua! Saia ou chamo a milícia! 
A condutora e os passageiros mostraram-se estupefatos não tanto pela situação em si – um gato subindo para o elétrico! – que não seria muito de estranhar, mas sobretudo pelo facto de o gato querer pagar a passagem! 
O gato, como se verificou, não era solvente como um animal disciplinado. Ao primeiro grito da condutora, parou, desceu do estribo e sentou-se na paragem, alisando os bigodes com a moeda. Mas quando a condutora tocou a campainha e o elétrico se pôs em andamento, o gato procedeu como qualquer pessoa que é expulsa de um transporte público mas que, no entanto, tem, forçosamente, de chegar ao seu destino. Deixando que o elétrico e os dois atrelados avançassem, o gato saltou para a parte de trás do último atrelado, cravou as unhas num tubo de borracha que passava pelo lado exterior e lá foi, poupando assim o preço da viagem. 
Preocupado com o miserável gato, Ivan quase perdera o principal culpado – o professor. Felizmente ainda não conseguira fugir. Ivan avistou a boina cinzenta no mais denso da multidão no cruzamento com a Bolshaya Nikitskaya ou com a Rua Herzen. Num abrir e fechar de olhos Ivan chegava lá. Mas o sujeito escapou-se-lhe. O poeta tentou caminhar mais depressa; rompeu mesmo, em trote, empurrando os outros transeuntes. Mas não conseguia aproximar-se nem um centímetro sequer do professor. 
Perturbado como estava, Ivan, no entanto, admirava-se com a fantástica velocidade da caçada. Vinte segundos haviam decorrido e já Ivan Nikolayevich, depois de passar pela Porta Nikitsky, ficava ofuscado pelas luzes da Praça Arbat. Mais uns segundos e mergulhou em qualquer ruela escura com passeios esburacados onde caiu e magoou um joelho. Mais outra rua movimentada e brilhantemente iluminada – a Rua Kropotkin – depois de uma viela, a seguir a Ostozhenka e mais uma viela, medonha, imunda e fracamente iluminada. E foi aqui que, por fim, Ivan Nikolayevich perdeu o homem que perseguia tão desesperadamente. O professor desaparecera. 
Ivan ficou desconcertado, mas não por muito tempo, porque, de súbito, soube que o professor deveria estar no nº 13 e precisamente no apartamento 47. 
Entrando de rompante, Ivan Nikolayevich voou até ao segundo andar, encontrou imediatamente o apartamento e tocou a campainha, impaciente. Não teve de esperar muito tempo. A porta foi aberta por uma rapariguita dos seus cinco anos que imediatamente se retirou para qualquer parte, sem fazer quaisquer perguntas ao visitante. 
No salão imenso, pessimamente conservado, fracamente iluminado por uma minúscula lanterna de carbono, encontrava-se uma arca enorme, chapeada de ferro. Da parede pendia uma bicicleta sem pneus. E numa prateleira, por sobre os cabides para a roupa, estava um boné de inverno com as compridas abas para as orelhas pendendo. Atrás de uma das portas, uma ressonante voz de homem declamava com irritação qualquer coisa em verso num aparelho de rádio."

In MIKHAIL BULGAKOV 
Margarita e o Mestre
Tradução de Jorge Feio
(Págs. 77 e 78)  

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