A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras

A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras
São o chão em chamas onde as lavras

sábado, março 30, 2013


NOTURNO VOO VERTICAL



Quão espessa a tessitura da noite
Se mais que o silêncio a entreteça,
Ainda embora o peito sôfrego acoite
Esse abraço que só a distância terça…  

Mas a voz desce ao fado, tange-o
Melancólico ao dedilhar das ondas;
E o barco do destino, por contágio
Balança o ser em repetidas rondas.



Circulares e centrífugas todas elas
Numa espiral em contraluz cerzida,
Se a ternura solta ao vento as velas
Para receber e doar a própria vida! 

SOMBRA EM TRÂNSITO  


Ouço pulsar a planície ao ritmo do sol breve…
E o silêncio ecoa como um coração incansável.
Mas à sombra das oliveiras ninguém escreve
Quanto durará a paisagem, nem se é sustentável.

Portanto, junto meu verbo à sua frágil condição,
Que o respirar das árvores é o azeite da nação!


quinta-feira, março 28, 2013


NATAL DA ÁRVORE



Na alameda dos troncos cinzentos
Aconteceu, hoje, grande novidade:
Havia um deles com oito rebentos
Do verde translúcido da claridade.

Uns cinco, vieram sós, espalhados
Aqui e ali, como quem espera alguém;
Dois, fizeram logo par, enamorados
A espreitar o pequenino, mais além
Que sob os musgos d’água saturados
Arriscava vingar e afirmar-se também.

Eu passei, ambos sorriram para mim…
E ao ver, como no pequeno reparei
Na brisa tremeram, dizendo que «sim».   


NÃO AOS JAMAIS!



“Um não desfaz no carinho de quem a gente gosta, só por causa que os estranhos estando vendo.”

In JOÃO GUIMARÃES ROSA, Dão-Lalalão (O Devente)



A sombra é escassa no verde tanto
Que a seara se abraça à esperança
Diluindo seu grito calado num manto;
E ali mesmo, sob o céu singelo, alcança
Os poréns do voo que toda a terra quer.



Podia escolher qualquer nome, exigir
Do mundo e homens todos os direitos,
Fazer de seus ramos vis e nunca florir,
Vingar-se da solidão e demais efeitos
Que à planície são atreitos e normais.



Mas prefere vestir-se e dançar no vento,
Dominar os altos cimos e profundezas,
Pôr os braços à volta da magia do tempo
E beijar a seiva de nossas vãs certezas.



Ou até, ninguém pode duvidar sequer!,
Esculpir as vozes primeiras, ancestrais
No marulhar das folhas como uma mulher
Se penteia, tirando do futuro os «jamais!» 

sábado, março 23, 2013


TERNO BROTO TENRO



Abro a porta à primavera
E abraço-a no hall de entrada
– É que foi fria e longa a espera,
Tornando-a, por demais, desejada.



Tenho os teus gestos na memória
E despidos de mim os ramos teus;
Porém as águas, no rio da história
Redemoinham em pátios e gineceus.

Dizem que é um calar interrompido,
Argumentam, agitam a mansidão…
E, como quem se rebela do olvido,
Gritam seu «sim» mesmo se dizem «não».



quinta-feira, março 21, 2013


ESTAÇÃO DA FOLHA EM FLOR



Daqui vejo teus olhos em flor:
São palavras com asas de borboleta,
Folhas que siam, outro Condor
Nesse céu que nos sonhos espreita
Como o vivo lótus, que vivaz te enfeita.



Mesmo quando se te outona a voz
E em nós, aqui a primavera nasce,
A amizade é o pólen que o poema pasce
Colhendo a farinha pura de nossas mós,
Essa língua comum te banha e nos estreita
Num abraço que ao ano inteiro aceita…



És a minha alma nua, e plo reverso,
Tanto, que quando sou significante
Tu és significado; e se apenas verso
Tu és mensagem, referente vivo e cintilante.



terça-feira, março 12, 2013


LÚMEN MÁGICO



Acondicionada a voz no timbre exato
Eis que o sol tinge de luz o plano aberto
E, acesos os olhos percorrem o visto fato
Para exercer seu míster, quando desperto…

Podia eu dizer-te «bom dia, até que enfim
Te vejo, sem ser em sonhos», ou mesmo ainda
Que «na realidade és, decerto, para mim
Bem mais sensual, preciosa, mágica e linda».

Podia escrever co’a língua os poros de teu rosto
Um a um, e desenhá-los com sílabas puras,
Permitir aos lábios esse calor de agosto
Dos verões que à alma dão as divinas criaturas.

Podia… Que não mentia. Como, aliás, nunca minto,
Que teu olhar é o sol que dá luz a quanto sinto!