A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras

A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras
São o chão em chamas onde as lavras

quarta-feira, outubro 31, 2007

A épica audiência

A traição pedida a perder-se nos olhos vítreos
A flor aberta dos lábios a dizer que não dizem
A dispersão calada das vontades que se apagam
A promíscua expectativa infligida a quem espera
Este querer sem querer que receia denunciar-se
Que mais que tudo teme o medo de não conseguir
E abrevia o actor para um acto de peça de facto.

De partida, de jogada na rasteira apenas equilibrada
Condomínio comum aos que menos esperam nada.

Podia crer-se na crueldade do não haver ali ninguém
Para quem ouvir fosse importante mesmo o banal
O corriqueiro da conversa fiada para boi dormir
A saudação de circunstância, o fazer tempo, sala
Despejar de lugares comuns entre os comuns da vala
Gente que aguarda morrer sem sacrifício, apagar-se
Esvair-se como se esvai uma já vazia e esvaída mala.

Podia ainda contar-se uma anedota de brejeira índole
Onde aplauso e riso fácil demonstrassem à audiência dócil
Quão sagaz é a fala em que pega a deixa que desleixa
E nos resguarda para que nada nem ninguém nos mexa
Naquilo que melhor escondido e por vergonha escondemos
E damos por não havido se demais o não virem, nem vemos.

Que somos uma aldeia que onera e publicita a pior ideia
Vinda de fora, se à superficialidade ela nos incendeia
Nas passarelles o voyeurismo às vedetas do parque snobe
Das afectações de estilo e esqueletos que se pavoneiam
Em transparências entrapadas e cerimoniais asas de grilo.

Aldeia de aldeões prontos e prestáveis ao que for labrego
Tiver a artística e suma qualidade do pregar de um prego
Desde que ele não tenha utilidade qualquer, e nenhuma
Seja a moldura que daí se dependura para admirar a bruma.
Ao arrotar empanturrado de enchidos, tortulhos e cerveja
Para que ninguém veja quem somos e, se vir... calado esteja!

terça-feira, outubro 30, 2007

Testamento

É provável... Mas digam o que disserem
Não há ninguém de quem queira, enfim
Na vida despedir-me:

Quando eu morrer, rasguem os meus poemas.
Todos! Que não quero e abomino a imortalidade.
Nem lágrimas de lástima, que das duras penas
Já me bastam as quantas em vida sofri.

Quando eu morrer, digam tão-só que morri.
Nem mais! Não quero da incerteza, a dor
Chega-me saber que foi num dia assim.

Quando eu morrer, seja a que horas for
Se algum amigo ainda por aí houver,
Então, que beba um copo por mim!


Aliteração climática


Eu persisto. Tu persistes. Ela ou ele persiste.
Nós persistimos, mas ainda não chegamos.
Falta como que o detonar dessa imagem inaudita
(Re)mata-nos a voz na metáfora de existir.

Artesianos olhos pedem queda embora impossível
Como a descrição da água em que se mergulha
Ao nela mergulhar ondulantes sedas exigem frota
Mas os dedos já longe de partir deixam-na escoar-se
Soltos de silêncio nas ravinas da sólida ansiedade
Metálicos sorrisos de rasgar a sombra, em cutelo
Ecos interiores das grutas abrigadas deste ocaso
Não outro mas o de hoje, dia das quimeras mil
Feito quadro pintado no verniz equidistante de Abril.

Onde se reflectem, sem qualquer ordem no dispor,
Flashs outonais de um resto de fogo no ocidente
Da cor de um frio próximo que se quer quente!


Chapéu Preto


Fechado o círculo das aparições difíceis,
Hoje Catarina não vai à fonte.
A guarda, concentra-se no passado ido
E próximos ambos em seu jeito de grito
Afloram a corrente das sedes que matam
A água da angústia nas gargantas secas dos segadores
Na opinião fútil do ondeado mas oblíquo oceano amarelo
Que resta restolho sob a brisa das lágrimas.

Mortal, mortal, somente a semente do esquecimento
Se dito o sino ditado que às lebres quando lado a lado
Correm o sexo não lho sabe ninguém,
Como na luta por uma vida melhor também.

O que é o homem? O que é a mulher? Tanto chapéu
Que se levanta e acena negro ao luto azul do céu...

Havia uma fotografia lá na casa da minha casa
Da casa que tinha uma casa dentro da casa
Que tinha outra casa dentro da casa com que se casa,
E nessa fotografia o olhar dentro de um olhar vindo de dentro
Como da alma da casa quando no olhar da casa entro,
Que sorria, como sorri qualquer vitória
Com ironia, num claro oxímoro da História
Feita um dia memória que se apaga de repente
De onde se escolhe a escória atirando fora gente.

Foi como ver as espigas levantarem-se do oceano.
Foi como ouvir o murmúrio do Zeca baladeiro.
Foi notar no preto chapéu do mar o mar de chapéus,
A baloiçar como naus numa dança moura de véus,
Lanternas de vermelho mágico incandescente
Partindo águas fora lançando luz de pobre braseiro
Noutras margens, noutros portos, noutros feltros
Apagando em suma a bruma dos caminhos neutros
Derramados pela queda palavrosa do tinteiro
Sobre a folha branca das letras caladas, a voz tremente
A recitar que outros tantos nadas são apenas gente.

Coisas de abrir e fechar, latas de atirar fora,
Que enquanto navegar for igualmente esperar
Dificilmente a experiência da vida nos melhora!

Quadros de olhares na demora de outros olhares
À espera que o olhar diga o que só a alma implora,
Que quem deveras quer, grita sem esperas, não chora
!


Alcatruz de Esmeraldas


Havia um mundo dentro do mundo
E dentro desse mundo um jardim
E dentro desse jardim um canteiro
E dentro desse canteiro uma planta
E no cimo dessa planta uma flor
E dentro dessa flor um nome
E dentro desse nome um espelho
E dentro desse espelho o teu rosto.

Primeiro, parecia um sonho.
De seguida, uma urgência.
Agora é toda a vida
Numa salutar demência.

Do fim, ninguém o saberá,
Incluindo eu e tu somos acaso
Euclase que do ouro o brilho dá,
Cristal de lágrima onde me desfaço
E ouso, em carne viva até ao osso!

sábado, outubro 27, 2007

O Argonauta do Sonho


Que ninguém pergunte quem sou eu
Nem como se chama aquilo que me anima,
Que sou apenas mais um marinheiro do céu
Que é o nosso mar de cima.


Ponto de rima na liça lida
Do amanhã de manhã,
Na manhã do amanhã
Moeda de troca perdida,
Perdição de não ser hoje
Que é quase de repente vida
Quanto mais de repente nos foge.


E se cedo cedi à sede de seda ser ao nu
Em teu desejo de seiva viva, alva e sã
Caminho côdea de cuidar o corpo cru,
Foi porque na roca fiei as nuvens de lã
Os novelos de enleio entre o mim e o tu,
Porquanto do sinal sugerido na sina leda
Cada estrela é por assim uma vereda
Diamante de brilho no lusco-manto violeta e malva
A ditar o sonho como única luz que deveras salva.


Que o saber é pois pura e realmente isso
Um cintilar do sentido sentir, um almejo
A incendiar a palha seca, o frágil chamiço
No fogo de ver-te, mesmo quando te não vejo!

terça-feira, outubro 16, 2007

Adeus


Tu que viajas no gesto indeciso
De quem parte em busca do amanhã,
Crê que o mais do mundo é o teu sorriso
Que faz com que a vida se não torne vã.

Porque eu, que já não estou aqui
Sou aquele que contigo vai (e fica);
Sou aquele que contigo também parti
E só partido ama e se multiplica.

Porque esperar é ficar, no encanto
De quanto se quer – muito, sempre... e tanto!




Casca de Nós



Há dentro de cada um, assim o outro mundo
Repleto de outros outros, diferentes, iguais...
E que ao reconhecê-lo repovoam o ser profundo
Comum a todos os seres humanos, comuns mortais.

Por isso, na concha do que somos
A pérola do que seremos mais,
Nasce, robustece, brilha do que fomos
Em reflexos vivos, cintilações de puros cristais.

Sem esgares moralistas de bem e de mal,
Mas com os olhos vítreos vertidos no sentido plural!




De Norte em Ursula (K. LeGuin)


Liberdade que posta estás no corpo da alma sem dono
E adornas o grito das flores nas ravinas da esperança,
Eu te imploro sem receios nem máscaras de adorno
Que leves meu beijo de sonho e pétalas de criança
Àquela que em desejo apenas meu crer a luz alcança,
Como se fora um dia na noite a aurora do futuro aberto,
E diz-lhe que, às vezes, o mais longe dos longes, é o perto!




Entre Utopia e Inquietação


Onde estou?
Que fizeram à caixa negra
Do meu voo?
Se tudo é norma, excepção e regra
Então porque sou
O sem-sentido perdido,
O esquecido de mim
Que caminha desmedido
Numa estrada sem fim?

As arestas dos sonhos me ferem
Me raspam a carne viva da alma...
Que enquanto fizermos o que querem
Nunca dentro de nós teremos calma.

Sonhar é isso mesmo:
Fritar o ser, pô-lo como torresmo
Ressequido a que tiraram todo o sumo,
Estaladiço, quebrado por consumo
A consumir-se estralejante e esmo.

Onde estou?
Que fizeram à caixa negra
Do meu voo?
Se aquela que era
Da era grega
Já não sou,
Então porque vou
No grito que ecoou
Como pura regra que agrega
Quem de si partiu e partindo-se voou
E se uniu até que soou?

Sonhar é isso:
Perder qualquer perdão...
Hipotecar o esboço, o esquisso,
Pondo a sinédoque ao seu serviço,
Trocando o todo pelo quinhão.

É a simples máscara da Utopia
A inventar que somos originais
Na multidão dos comuns do dia a dia,
Quando afinal só na ilusão somos mais
Que em tudo o resto somos iguais

Num mundo real e despido de fantasia!

terça-feira, outubro 09, 2007

Grito escutado gritando



Não... Não quero mais ser pintor
De sonhos
Quero parte activa em teu corpo
Inacabado estou e ele está
Estará
Estaremos sempre se sós
Pusermos aqui
Os fantasmas... Sim os fantasmas morrem
Quando abrimos a boca
Na boca das coxas delirantes e trementes
Exultantes de sôfrego espasmo
Do sonhado, ostra quente
Grito gritado e fulgente.

Não esqueças nunca quem somos
Somos a génese do mito
E gritamos o estertor convulso
De inventar o abismo no corpo desejado
Que deseja a revulsão de ser inventado
Na tumescência viva dos lábios que o percorrem
E desvendam
Os olhos vendados pelo sonho
Persigo cada poro da tua cútis como um cego
Rendido escravo que implora a morte
Que se imola no fogo que nos arde.

Escuta-me escorrente de auroras liquefeitas
Abraços que doem parar
Descomandado de mim
Apenas sei o caminho da tua vontade
Que regresso a casa sempre que me chamas
Em chamas perdido por perder-me.

Não, já não sei ser pintor de teu corpo
Mas antes tinta lava que lhe pertence
Se lhe submete possesso e desenfreado
Cavalo incandescente que nos transporta
Para lá da planície derretendo o vermelho barro.

Sucumbo. Sucumbo e tombo varrido
Pelo sopro do teu grito no incêndio da voz
Que me estraçalha a ânfora dos restos ancestrais
O vaso que guarda o princípio do tempo
Que o tempo infindo dos séculos foi pouco para apagar
Brasa que acende o fogo da eternidade nos teus olhos
Mergulhados nos meus até perder-me de quem sou
Esquecido de ser no assim explodido do fim renascido.

Quero a brutalidade de não querer nada
Além de entregar-me todo ao teu querer
O suplício húmido de teu sofreguido verbo
Que me conjuga e envolve e manieta e diz
A pulsar a selvagem imensidão do para lá do lá.

Não, não quero mais ser o pintor
De teu corpo na inconquista apagado,
Que prefiro ser dele o que lhe brota em amor
No gesto inequívoco de um conquistador
Conquistado.

Sei que enquanto houver esperança na esperança,
Enquanto houver um sei que sabes que sei qualquer,
Enquanto a fé gerar a magia do adorador adorado,
O sedutor seduzido, nunca deixarás de ser a criança
Retouça irreverente que adiou ser gente em ser mulher.

Não, não quero mais ter-te inerte ao fim do dia,
Como coisa sem vontade, sem desejo, que crê haver mal
Em possuir o beijo da ousadia, em plantar plural
Onde apenas na aridez do género um existia.


Quero-te aqui por imposição a querer-me
Que vencer-te é um saber que me venci
Tendo-me a querer-te quando me queres dentro de ti.

Quero-te aqui, como tu apenas sabes estar
A inventar o mundo por inventar
Proferindo o grito infinito de nascer,
Que o futuro é um presente a gritar
Que amanhã também quer e pode viver.

Quero-te aqui possível no impossível imenso
Batalhando o corpo até raiar o nome, no grito
De rasgar como raio o nevoeiro denso
Partindo muro sobre muro e chegar ao infinito.

A escrever teu gesto, na areia do tempo
No mar da lua
Na pressa da rua
Na multidão do ar
No átimo do poder
No ouro do olhar
No fito de vencer
No rito de viver
No possuir sem crer
Querendo para ter
Em aqui e agora
Sem sempre nem nunca
Num hoje vida fora.

Quero-te para te querer
Como quem tem para crer
E ao ter crê que tem
Um ser por ser teu também
Sendo os dois de ninguém!

Mãos nas mãos, grito no grito
Como corpo no corpo possuído,
Que a salvação é estar aflito
E no gritar do outro ser ouvido!

quinta-feira, outubro 04, 2007

Nascimento de Vénus


O silêncio desperta, a noite calada avança...
No fundo, no íntimo de cada um
A força irrefutável de estar presente: só

Apenas gesto, silhueta que se apaga ao cair
Morrão de cinza entre dedos que se esquecem,
Olhar perdido entre as nuvens e a planície
Andorinha em voo que cruza a moldura da janela
«Vhuuummm!!...» de carro que passa na estrada
A esconder-se no silêncio que fica depois.

O catarro do vizinho no subir das escadas
Recorda que as convulsões do corpo de vãs
Somente têm a indiferença que lhe votamos;
Resfolegante o prédio como um paquiderme
Cansado exala os odores do jantar prestes.

O indicativo do telejornal apaga a ausência
A campainha do terceiro andar besoura e retine
Uma formiga de asa deambula no peitoril da janela.
Batem os saltos de alguém que passeia o cão
Sem pressa num compasso de espera incerta.

Mas do alto desta quietude de borracha fria
Que raspa e desvanece as impressões do dia,
Silenciado nos ecos da memória de ninguém,
Do escurecer nasce a estrela que antes não via
Lembrado-me que quem se não dá, nunca se tem!