A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras

A aventura das palavras... das palavras... as palavras... as palavras
São o chão em chamas onde as lavras

sábado, setembro 29, 2007

Mito do Eterno Retorno

Retomo o amor. Um passo atrás – ou à frente –, um gesto rápido, um olhar de viés. Percorro o mesmo mundo que tu: todos os mares são masculinos, e toda a terra é feminina. Pacífico, Vermelho, Índico, Atlântico, Mediterrâneo, Negro, Egeu – esses sou eu. Tu és Europa, Ásia, Oceania, América, África. Sou água, tu és terra. Fizemos um acordo há mais de 50 000 anos – lembras-te?... Andávamos nós nas cavernas: éramos dois seres que caminhavam em sentido convexo, trazendo cada um seu lobo/a enjaulados nas grades do tórax, um animal impulsivo que constantemente se nos atirava às costelas, nos rasgava as entranhas com suas unhas de fogo, e se acaso nos encontrávamos, estacando frente a frente, saltavam, quais feras de lascívia felina, copulavam a nossos pés, enquanto nós ficávamos estáticos, como se nada estivesse a acontecer-nos; depois, voltavam a entrar nas suas (nossas) jaulas e partíamos, sem que tampouco nos houvéssemos tocado... Lembras-te? – de nos não deixarmos ferir pela redundância do pó, do esquecimento, da cinza ou do fogo. Desse contrato nasceram cidades, leis e telas, algumas dulcissimamente cruéis, e marés.
E fomos tudo. Tudo!
Agora, eis-nos resumidos ao átomo ebuliente e abúlico da infinita espiral...
Voltemos atrás: retomemos o amor.

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Penso numa criança. Tem a idade das flores primaveris, e os gestos simples do vaguear por aí. Usa as mãos como se fossem olhos, e trauteia sílabas sem nexo de uma canção de jazz. Conta os dedos pelos dias e anda sempre, sempre, sempre, sempre. Já sabe dizer verdade, e às vezes deita-se no colo do nome, que nem estivesse no convés de alguma nau, para viajar à tona do real, e quer haja luar, breu, bonança ou tempestade, os gestos mantêm a expressão do vaguear por aí. Quando se chateia, sopra o sol e adormece. É a única altura em que me é permitido aproximar-me dela... Ela não me pode ver, porque ainda não crê que há morte, necessidade, luta, poder, ironia, drama, tragédia, ciência, trabalho, dinheiro, sabedoria, liberdade, igualdade, segurança, álcool, tabaco, história, ciência, arte, quotidiano e matemática. Por isso, enquanto dorme, fio perto dela, quedo, silencioso, e a observá-la – digo, bebê-la. Se casualmente mexe ou suspira, inquieto-me, sobressalto-me. Se noto que vai despertar, afasto-me sem ruidar.
Ontem, estava ela a dormir, mexeu-se, o tronco em revulsão, os braços erguidos, e balbuciou:
– A... MO... TE...
Pensei em ti. Achei que era magia, e que ela adivinhava o pensamento alheio. Então, afastei-me, não fosse ela acordar...

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